Téo Benjamin: O Flamengo não pode abrir mão do seu motor

03/02/2020, 17:33
Arão motor flamengo

“Por que colocar mais uma camada de tinta dourada no Bentley se você acabou de perder o motor?”

Assim o gênio Zinedine Zidane comentou a política de transferências do Real Madrid no verão de 2003, quando o clube vendeu o volante Claude Makelele e comprou o meia David Beckham.

Era o auge da era dos Galácticos, a grande estratégia de Florentino Perez à frente do clube. Ele se elegeu presidente prometendo contratar Luís Figo, maior ídolo do Barcelona, e ainda trazer uma grande estrela mundial por ano.

Figo chegou em 2000. Zidane veio da Juventus em 2001. Ronaldo chegou em 2002. Bekcham foi o nome em 2003. Michael Owen foi contratado em 2004 e Robinho em 2005.

Florentino renunciou no início de 2006.

real madrid galácticos

Makelele não se sentia valorizado no clube. Sabia que era um jogador importante, era respeitado pelos companheiros, mas recebia um salário muito abaixo dos demais. Resolveu pedir um aumento, inicialmente aceito, mas as coisas mudaram depois da contratação de Beckham.

Florentino alegou que o clube não tinha mais dinheiro, então Makelele pediu para ser vendido ao Chelsea. Ou melhor, forçou sua saída, mandando um atestado alegando problemas psicológicos para ficar fora dos treinos até que a situação se resolvesse.

“Ele não sabe cabecear e raramente dá um passe mais longo que três metros. Jogadores mais jovens chegarão e Makelele será rapidamente esquecido”, declarou o presidente.

Aparentemente, os jogadores discordavam.

Em sua autobiografia, Steve McManaman diz que Makelele era “o mais importante e menos apreciado meio-campista do Real”. Fernando Hierro, que também fez parte daquela geração, disse que “Makelele foi o melhor do time por muitos anos, mas as pessoas simplesmente não notavam.”

O volante francês foi para o Chelsea, venceu, se tornou ídolo e redefiniu o futebol inglês. A função do “primeiro volante” que protege diretamente a linha de defesa passou a ser chamada de “Makelele role” ou “função do Makelele”.

Sempre que tem a oportunidade, no entanto, o próprio Makelele faz questão de valorizar suas qualidades ofensivas, não apenas seu pulmão e capacidade para recuperar a bola. Ele diz que era “o primeiro defensor, e também o primeiro meia-atacante”

De fato, seu passado na ponta direita fala bastante sobre sua capacidade técnica. Ele sabia jogar de cabeça em pé, driblar e passar a bola, mas é inegável que seu posicionamento defensivo e noção de marcação foram os atributos que o levaram a um nível tão alto.

Makelele, como tantos outros jogadores mundo afora, era responsável por um trabalho fundamental, mas quase invisível aos olhos do grande público.

Era através dele que os Galácticos podiam brilhar. Por isso, o francês também era um Galáctico. Talvez um dos mais importantes.

Recebi várias mensagens nas últimas semanas perguntando e sugerindo possíveis formações para o novo time do Flamengo em 2020.

Em muitas delas (muitas mesmo) as pessoas tentam encontrar soluções diversas – algumas mais equilibradas, outras mais malucas – para tirar Arão do time.

Faz sentido. Afinal, Willian Arão não é um Galáctico. Longe disso! Não marca (mais) muitos gols, não dá dribles excepcionais ou desfila sua técnica apurada nos gramados.

Quem não quer ver mais Arrascaetas, Evertons, Gabigols e Brunos no time?

O problema, claro, é que Arão se tornou o ponto de equilíbrio do Flamengo. Não aquele “equilíbrio” mambembe no qual Abel Braga se apoiava em seu discurso.

Decano do time, Willian Arão renova pela 3ª vez com o Flamengo

Arão hoje é, de fato, o primeiro defensor e o primeiro meia-atacante. É fundamental para a engrenagem rodar.

Não sei se Arão será titular absoluto até o fim da temporada. Ninguém sabe se o rendimento dele se manterá, se Thiago Maia ou até mesmo Vinição conseguirão tomar a vaga…

O que sabemos é que não faz sentido abrir mão de quem sustenta a equipe tão bem.

Nessa janela de transferências, o Flamengo trocou os pneus, colocou um novo amortecedor e um monte de itens opcionais. Renovou também a pintura, colocando algumas camadas de dourado, mas não pode abrir mão do seu motor – por mais silencioso e invisível que seja.


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Téo Ferraz Benjamin
Autor

Escrevo as análises táticas do MRN porque futebol se estuda sim! De vez em quando peço licença para escrever sobre outros assuntos também.