Um dos maiores erros que um time de futebol pode cometer é confundir velocidade e pressa. O dinamismo é fundamental para quebrar as linhas adversárias e chegar ao gol, mas a precipitação pode destruir qualquer jogada. Cada lance no futebol tem início, meio e fim - e um bom time é aquele que sabe reconhecer essas etapas e passar por elas com tranquilidade.
É comum ver o torcedor na arquibancada pedindo para o time pressionar o tempo todo, atacando como louco, definindo todas as jogadas rapidamente. Isso não é exclusividade do torcedor rubro-negro ou brasileiro. Na Inglaterra, assim que a bola passa do meio-campo, todo torcedor já está pedindo o cruzamento no segundo pau: "far post", gritam pub.
Na quarta-feira, contra o Santos, e hoje, contra o São Paulo, o Flamengo voltou a ser um time que gosta da bola. Essa era a principal característica do time na melhor fase de 2016, evidenciando a assinatura que Zé Ricardo queria imprimir no elenco. Uma equipe que tem paciência, trabalha as jogadas com calma, joga com os zagueiros adiantados, procura o melhor espaço e não precipita as jogadas. A paciência foi a maior virtude do time contra um adversário que viajou para não sofrer gols e empatar.
Um domínio frágil?
Há quem diga que o Flamengo não criou muito até o gol de falta de Guerrero, mas eu quero argumentar que dominamos o primeiro tempo. E quando eu digo dominar, quero dizer que era o Flamengo que tomava toda a iniciativa e o jogo se desenvolvia da forma como Zé Ricardo queria. O amplo controle, no entanto, realmente não se transformava em chances claras de gol. E há dois principais motivos para isso.
Primeiro, o São Paulo demonstrou desde o primeiro minuto um desinteresse enorme em qualquer coisa além do zero a zero. Sabendo das dificuldades que o Flamengo encontra para furar retrancas, o treinador tricolor montou um ferrolho e orientou seus jogadores a deixarem o tempo passar.
O segundo motivo - mais preocupante para o Flamengo - é a falta de dinamismo dos volantes. Um time que controla o jogo dessa forma precisa ser envolvente e imprevisível. Em geral, os volantes dão esse dinamismo por trás. Esse é um problema crônico em terras flamengas porque nossos volantes precisam dominar, ajeitar o corpo e levantar a cabeça antes de tocar. Inclusive, em geral fazem passes simples (qual foi a última vez que Márcio Araújo fez uma virada de jogo?). Vencemos porque conseguimos aliar paciência e velocidade, mas não graças à nossa volância. Quem mais acelera o jogo atrás é Rever, pois tem técnica e confiança para bater na bola de primeira, já acionando algum companheiro na frente. Esse jogo burocrático na meiuca ainda precisa ser melhorado para tirar um peso das costas de Diego, que já foi relativamente reduzido com a entrada de Éverton Ribeiro.
A verdade é que o gol é uma sementinha que você planta no primeiro minuto e precisa ser regada para ir amadurecendo até o momento de colher. Estávamos fazendo todo o trabalho. Era uma questão de tempo.
Um time que morde
Outra característica importante do jogo foi ver o Flamengo mordendo no campo todo. Um dos meus primeiros textos aqui no Mundo Rubro Negro foi sobre marcação pressão, e agora quero retomar esse tema porque acho que será uma característica importante para a nossa equipe.
Fizemos 31 desarmes no jogo, disparado o melhor desempenho no campeonato até aqui. Isso não tem só a ver com raça, mas com um sistema de marcação que começava lá na frente, deixando os defensores e volantes do São Paulo desconfortáveis e quebrando a saída de bola do time de Rogério Ceni.
Um atributo fundamental que se soma à essa forma de marcar é a supremacia aérea dos zagueiros. Com o time saindo para marcar adiantado, a linha de defesa também se adianta, os defensores são paulinos são obrigados e esticar a bola longa e aí Rever e Rhodolfo mostraram sua importância, ganhando todas pelo alto.
A marcação alta aliada à estatura dos zagueiros tornou o Flamento um time bastante sólido na defesa, principalmente no primeiro tempo, antes das mudanças.
Conclusão
O Flamengo vem molhando o gramado da Ilha antes das partidas para deixar a bola mais rápida (hoje nem foi preciso por conta da chuva). Aparentemente, o time soube congregar paciência e velocidade. Não se precipitou, não caiu no erro de definir as jogadas cedo demais, mas também não foi moroso. Pelo contrário, propôs o jogo.
O São Paulo também teve muita paciência, mas nenhuma velocidade. A transição ofensiva era assustadoramente lenta e isso facilitou o trabalho do Flamengo na marcação pressão.
Com a entrada de Denilson no segundo tempo, Cueva deixou de ficar preso ao lado esquerdo e passou a flutuar mais pelo meio, criando um pouco mais de dificuldade. A ideia de colocar Berrío como válvula de escape foi boa, pois o colombiano gera preocupação nas costas do lateral mesmo com o time marcando muito mais atrás. Mas ele voltou a ter uma atuação estabanada.
Ainda não dá pra vibrar muito, mas o Flamengo voltou - pelo menos nos últimos dois jogos - a ter cara de time.
Téo Ferraz Benjamin escreve as análises táticas do MRN. Siga-o no Twitter: @teofb
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