Flamengo 2 x 0 Paraná: Barbieri mostra poder de leitura

11/06/2018, 11:53

Ser gigante, reconhecer a sua força e saber exercê-la. É esse o entendimento do que é “Ser Flamengo” que Barbieri e seus comandados vem desenvolvendo ao longo dos últimos jogos. Impor-se contra clubes de menor grandeza e enfrentar de frente, sem medos, os grandes do futebol brasileiro. Dentro ou fora de casa. Com a torcida vibrante enchendo o estádio. E o resgaste do “espírito rubro-negro” vem muito do uso mais constante da base. Garotos que entendem e vivem o clube há muito tempo.

O Flamengo entrou em campo para exorcizar antigos demônios. Contra um clube do qual tem jogos inesquecíveis (negativamente). Em seu 4-1-4-1 usual, com Jean Lucas na vaga do ausente Paquetá, jogador essencial para a ligação defesa-ataque, e a titularidade de Matheus Thuler na vaga do lesionado Rhodolfo.

A base da consistência do jogo rubro-negro inicia em sua defesa. Léo Duarte e Thuler formam uma dupla de zaga jovem, rápida e que funciona com naturalidade mais adiantada, próxima à intermediária, onde possa cobrir a subida de seus laterais. E contra o Paraná, que entrou em campo em um 4-1-4-1 bem compacto, atraindo o Flamengo a seu campo, o que fez com que a postura mais adiantada da última linha de marcação necessária para supremacia de propostas de jogo.

Com isso dito, a construção da saída de bola rubro-negra demorou a encaixar com a ausência de seu camisa 11. Independente da atuação de Jean Lucas, que foi regular para boa. É questão de característica e estilo de jogo. Paquetá é um todocampista à brasileira. Marca, intercepta, cria, faz saída de jogo, infiltra, faz até gol na pequena área. Sem deixar o lúdico estilo brasileiro com variado arsenal de dribles. Jean Lucas é um segundo volante de infiltração mais clássico. Domina o meio de campo com sua fisicalidade, habilidade individual e lucidez, mas não por sua criatividade ou onipresença.

Com a marcação alta do Paraná até a intermediária, focando em inibir as opções de passe para a construção das jogadas por marcação zonal, que obrigou o recuo para a meiuca de Éverton Ribeiro e Diego para elaborar uma melhor saída de bola. Dessa forma, desconsertou a proposta de jogo da equipe em criar uma presença numérica superior em um lado do campo. Forçou mais lançamentos buscando a amplitude de Rodinei e Vinicius Jr, sem muito sucesso.

Aos 9’, Recuo de Diego para a construção do momento ofensivo: falta de presença numérica pelo lado de apoio a quem está com a posse, Dourado encaixotado entre o volante central e a última linha, Jean Lucas sendo vigiado de perto com Renê como opção segura pelo centro.

Aos 12’, Diego acionado pela ponta-esquerda. Linha de três composta por Renê-Cuellar-Jean Lucas mantém o sistema de cobertura e auxiliam na construção das jogadas. Na sequência do lance, Diego busca o apoio de Renê e se infiltra em diagonal. Renê aproveita o espaço criado e aciona a amplitude de Vinicius Jr no 1x1 com o lateral.

Aos poucos o Flamengo domina as ações da partida e se habitua às singularidades do jogo de Jean Lucas. Mesmo jovem, conseguiu expressivos números. Mostra grande domínio e controle da bola, acertando os 7 dribles que tentou, conquistando 7 dos 13 duelos que teve e perdeu apenas duas posses de bola. Mostra imaturidade em certos momentos, contudo muita personalidade e capacidade técnica e física para jogos profissionais.

Flamengo se nega a desperdiçar suas jogadas em bolas alçadas a esmo para dentro da área, mas não significa que não vá à linha de fundo. A busca é feita através de tabelas e triangulações. O time trocou 562 passes corretos nos 90 minutos. Desses, 88 foram de Cuéllar, errando apenas 2. Números expressivos que evidenciam a proposta da equipe. O colombiano que continua sua saga de colocar no bolso todos os jogadores que pisam em seu território - partida impecável no aspecto defensivo (5 desarmes) e ofensivo (3 bolas longas certas de 4 executadas). Além da ótima movimentação de sempre, que oportuniza sua apresentação constante como opção para passe. E falar da usual qualidade de ler o campo e escolher a melhor saída de jogo de Cuéllar é chover no molhado.

O time continua a pecar no último passe, principalmente em cruzamentos. Rodinei fez mais um placar nulo em suas 7 tentativas. Renê foi mais feliz, com 3 certos em 5 tentados. Esses erros geram contra-ataques, principalmente às costas de Rodinei. Nas poucas oportunidades de saída do Paraná, Silvinho e Igor Cariús foram as alternativas para contra-ataques, ganhando a maioria das divididas pelo setor direito.

Ao longo da semana muitas discussões sobre a importância e qual o limite para o uso do drible. Discussão rasa e sem sentido. Se objetivo ou apenas de uso lúdico, o drible é um recurso. Aos 18’, Jean Lucas se infiltra entre as duas linhas de marcação ultrapassando dois jogadores e tem o cruzamento rasteiro interceptado. Renê automaticamente adianta-se e recupera a posse da bola entregando-a para Vinicius Jr, que a perde em sequência. Mas novamente a marcação alta é feita ao homem com a posse. Jean Lucas intercepta a bola que sobra para Vinicius que protege entre 2, dá uma volta, endireita o corpo, passa para Renê servir Diego em excelentes condições na entrada da área, que dá um corte seco e é derrubado pelo marcador. Na cobrança de falta, desvio na barreira, gol. Flamengo abre o placar.

Diego e Vinicius Jr não vinham fazendo má partida, mas estavam longe de suas melhores atuações. O meia tentava cumprir bem seu papel de armador da saída de bola e elemento de infiltração, como opção à frente da grande área ou mesmo dentro dela. Com a ausência de Paquetá, se tornou o guia para construção de jogadas pelo chão, agregando mais segurança ao setor de criação. Mas falta a agressividades dos passes do jovem meia. Já Vinicius Jr esbanja seu talento e capacidade atlética. Não é o melhor jogador da equipe, mas sem dúvidas é o mais decisivo. Infernal para as defesas adversárias, colocando pressão em seus marcadores e permitindo espaço para outros jogadores brilharem. Errou mais que acertou, mas não tira o mérito de sua ousadia e capacidade de fazer o diferente.

No segundo tempo o Flamengo mantém a postura de marcar em linhas altas e pressionar a saída de bola do Paraná. Jean Lucas muitas vezes toma a frente nesse cargo, pela juventude e maior velocidade mas continua se afobando na hora do bote. Uma das maiores dificuldades do futebol brasileiro é a dificuldade de achar primeiros volantes que saibam sair para o jogo e o Paraná não é exceção. Sofreu muito com a postura agressiva da equipe rubro-negra.

No detalhe, o adiantamento das linhas de marcação rubro-negra.

Renê e Rodinei tiveram atuações seguras, ainda que com os problemas de sempre nos seus índices de acertos em cruzamentos. Falta aos dois terem mais consistência no apoio à saída de bola. Passes mal executados ou displicentes podem gerar contra-ataques mortais. Nesse jogo, o bom posicionamento de Léo Duarte e Thuler evitaram grandes oportunidades aos visitantes. Sem contar o apoio incessante de Éverton Ribeiro pela direita, recompondo muitas vezes como um autêntico lateral.

Com a vantagem no placar, o Flamengo apresenta mais calma em trocar passes e atrair as linhas de marcação do Paraná com excelentes tabelas e desmarques entre Éverton Ribeiro e Jean Lucas. Diego continua seu papel de armador, pontualmente acionando Vinicius Jr com bolas longas pela esquerda.

Vale citar que comparado aos jogos anteriores, o time se comporta melhor na sua movimentação na transição ofensiva, principalmente em contra-ataques. Há sempre uma opção de amplitude e profundidade para o passador. Mas a baixa agilidade, velocidade e capacidade de posicionamento de Dourado diminuem a efetividade de certos lances.

Dourado é um centroavante com grande presença para finalização dentro da área. Contudo, com as más atuações recentes vem perdendo a confiança. Cada vez mais busca escapar da marcação dos zagueiros ao invés de combatê-la e superá-la. Isso gera mal posicionamento, e a equipe fica sem referência na zona da confusão. Os três gols de Vizeu feitos até aqui poderiam facilmente ser feitos por Dourado. A questão é ter o posicionamento certo entre os zagueiros, mesmo que se desvencilhando do contato físico. Atualmente, termina por ser um empecilho para a fluidez do ataque rubro-negro.

No lance, aos 9' do 2º tempo, em contra-ataque armado por Jean Lucas e Éverton Ribeiro, Dourado e Vinícius Jr fazem as movimentações corretas, o conhecido “facão”, desorientando a marcação do Paraná e fornecendo duas opções de profundidade e uma de amplitude com Jean Lucas. No decorrer da jogada, Ribeiro não consegue concluir o melhor passe, que acaba por ser interceptado.

Devido a essa necessidade de opções de profundidade ao ataque, Barbieri promove as entradas de Arão e Vizeu. E ambos mudam o panorama da partida no momento que entram em campo. Jean Lucas é um jogador de infiltração, que usa ao máximo dos seus recursos técnicos e velocidade para alargar o campo de ação das jogadas, constantemente buscando jogo pelas beiradas. Um ponta-volante, tanto que fez três cruzamentos e acertou um.

Já Arão possui um outro estilo de infiltração. É um jogador mais agudo, que rompe linhas pelo centro e que se posiciona bem como referência de ataque, principalmente nas bolas áreas. Tem dificuldade para cobrir espaços com agressividade assim como manter intensidade na retomada da bola. E isso rapidamente fica visível aos 20 minutos. Se projeta no espaço entre Rayan e Cariús, recebe lindo passe vertical de Éverton Ribeiro e sem nem pensar duas vezes faz cruzamento rasteiro. Vizeu, oportunista e com bom posicionamento, ganha dos zagueiros e empurra a bola para o fundo das redes.

O Paraná se vê obrigado a lançar-se ao ataque, conduzido por Caio Henrique, que busca mais jogadas pela esquerda em confrontos diretos com Renê, já demonstrando fadiga da sequência de jogos recente. Mas permitir espaços a um time técnico como o Flamengo tem seu preço. E quase se paga o preço em contra-ataque gerado por Vizeu e Vinicius Jr que tem gol interrompido por interceptação providencial do zagueiro por baixo.

Com Arão e Vizeu, o Flamengo ganha em mobilidade, profundidade ao ataque e faro de gols (o volante perde grande chance aos 27’ em cabeçada. Aos 26’, Diego sai para entrada de Marlos Moreno, que ainda apresenta falta de ritmo de jogo, entretanto com mais confiança. Entra para fazer a ponta-direita, deslocando Ribeiro à função de Diego.

Jogo discorre sem muitos sustos, mesmo com as substituições de Rogério Micale para tornar seu time mais agressivo. O time carioca continua a assumir as rédeas da partida e controlar as ações. Aos 45 da etapa final um excelente passe por elevação de Vinicius Jr faz com que Thiago Rodrigues mostre bons predicados ao defender ótimo voleio de Ribeiro.

Mais uma boa partida e liderança garantida por toda a Copa. O objetivo foi cumprido. Barbieri soube usar as armas do banco no momento certo e ler o jogo para decidir cada uma das ordens das entradas. Vizeu destruiu nos últimos três jogos qualquer narrativa criada para a falta de criação de jogadas para o centroavante. O jovem atacante entrou, participou de ataques do Flamengo e foi premiado com três gols. O que falta é um jogador de qualidade para se tornar a referência que essa equipe precisa, e não o contrário. Elogios devem ser feitos e o trabalho de Barbieri reconhecido. Que essa janela de transferências traga boas notícias e que o clube de algum jeito consiga sanar a falta que o poder de decisão de Vinicius Junior fará.
 

Imagem destacada nos posts e nas redes sociais: Gilvan de Souza / Flamengo

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Matheus Miranda analisa os jogos do Mengão no MRN. Siga-o no Twitter: @Nicenerd04


 

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