Eu olheiro: vi, apostei e venci. Eu cego: vi, apostei e... Bem, deixa pra lá!

07/03/2018, 11:42

Saudações flamengas a todos,

Um aspecto inerente à nossa vida de torcedor é o desenvolvimento de determinadas preferências ou antipatias por determinados jogadores. Colocando à parte certos exageros (que infelizmente têm sido cada vez mais recorrentes), não deixa de ser divertido acompanhar a trajetória de determinado atleta sobre o qual cravamos algum vaticínio. E, olhando em perspectiva, cotejar nossos acertos e erros. Exultar e massagear nosso ego quando aquele que identificamos como “craque” efetivamente ascende na carreira, ou soltarmos um muxoxo quando uma aposta pessoal submerge no lodaçal do anonimato.

Nessa vida de quase 40 anos de torcedor, evidentemente acompanhei hordas de jogadores que lograram trajar o Manto Flamengo. Acertei inapelavelmente o que iria acontecer com alguns, errei grotescamente com outros tantos. Assim, buscando quebrar um pouco a amargura, o desassossego e o desânimo com a aparente falta de perspectivas a curto prazo do rubro-negro, convido todos a desacelerarem e a tentarem se lembrar de seus momentos “olheiro”, ou “quem nunca?”.

Vai uma listinha aleatória. Contemplem meus acertos, e depois riam dos meus erros.

* * *

“EU OLHEIRO: VI, APOSTEI E VENCI”

ZINHO

Meu primeiro contato com Zinho provavelmente foi o de muitos, a famosa capa da Revista Placar de 1982, onde eram listados alguns candidatos a “Novo Zico”. Zinho, mirrado, não parecia a aposta mais certeira, muitos colocavam mais fé em Gilmar Popoca, Adílson Heleno e Gaúcho, por exemplo. Mas, alguns anos depois, mais especificamente em 1986, Zinho começou a frequentar mais assiduamente o time titular. E, em algumas dessas partidas, cujo VT completo era exibido na TVE, pude me impressionar com o seu futebol de formiguinha, seu drible curto e sua facilidade em chegar à frente. “Esse vai longe, não vai demorar ser titular. Joga fácil”, mandei com ar empolado, do alto dos meus 14 anos. Não deu outra. No ano seguinte, Zinho se consolidou no Flamengo, dando início a uma das mais vitoriosas trajetórias no rubro-negro, em outros clubes brasileiros, no exterior e na Seleção Brasileira. Evidentemente não se tornou um “Novo Zico”, mas, da tal reportagem da Placar, de longe foi o jogador mais bem-sucedido.

ALDAIR

Foi se firmar em 1988, mas antes disso já atuava esporadicamente, em função das sucessivas lesões dos titulares Leandro e Mozer. Encantava com seu desarme limpo, sua cabeça levantada, sua capacidade de antecipação e inclusive sua inusitada facilidade em marcar gols. “Esse jogaria tranquilamente no time de 1981”, lembro-me de exultar, ainda quando Aldair era não mais que um promissor reserva. Em 1989, quando estourou, já era realidade e rapidamente foi transferido para o futebol europeu, onde construiu longa e muito bem-sucedida carreira. Até hoje Aldair é um dos zagueiros que mais me impressionou vendo jogar.

JÚLIO CÉSAR

Quando estreou no Flamengo em 1997, era o quinto goleiro do elenco. Foi “passando na frente” dos outros por questão de lesões, falhas, convocações para seleções de base, essas coisas. Pegou um pênalti num Fla-Flu e deixou seu nome marcado. Algum tempo depois, começou a aparecer no time titular. Era daquele tipo de jogador que você já percebe a diferença a olho nu. O nível de defesas, a forma como se impunha aos atacantes, o reflexo desumano enfim, eram algo realmente fora da curva. Um dia, ainda antes de barrar Clemer, atuou na Fonte Nova e eu pude vê-lo in loco. “Esse será goleiro de Copa do Mundo”. A frase nascida no dia virou um mantra que eu passei a repetir de forma quase enjoativa. Não deu outra. Júlio César se tornou titular e referência do Flamengo, de onde partiu para se tornar o Melhor Goleiro do Mundo. E jogou três Copas. Duas como titular.

OBINA

Houve uma época em que eu residi em Feira de Santana, cidade a cerca de 120 km de Salvador, por motivos profissionais. Em um final de semana de 2003, em que tive que permanecer na cidade por motivos de plantão noturno, resolvi dedicar minha tarde de domingo a assistir a um portentoso cotejo entre Fluminense e Palmeiras, não os originais, mas as cópias nativas, que se digladiariam no simpático Estádio Joia da Princesa. O time tricolor venceu sem dificuldades (3-0) em um jogo que acabou sendo divertido pois não chegou ao final, em função da ocorrência de “cenas lamentáveis” no gramado (papo para uns vinte anos de STJD). Mas a pancadaria não foi o que mais me marcou naquele dia. Tinha um número 7 do Fluminense, um bicho corpulento que jogava pelo lado fechando em facão, que o bicho era o diabo. Ganhava todas na força e na técnica. Pairava nitidamente sobre os demais 21 jogadores em campo. A diferença de nível era tão desconcertante que acabei tendo que perguntar a uma das testemunhas da peleja: “Quem é esse?”, “nome dele é Obina, é garoto, tá emprestado pelo Vitória”. Nunca me esqueci da figura. No ano seguinte, voltou ao Vitorinha e começou a empilhar gols. Foi vendido ao exterior e repatriado pelo Flamengo. Onde se tornou melhor que o Eto'O.

PETKOVIC

Lá pelos idos de 1997 tinha uns amigos que eram fanáticos pelo Vitorinha e iam pro Barradão ver todos os jogos do time. Quando não chocava com o Flamengo eu ia na barca, tomar cerveja e curtir o clima do estádio. Num desses dias, soube que iria estrear um gringo que havia vindo do Real Madrid. Coisa chique. Eu me lembrava dele, era o iugoslavo que tinha metido dois ou três gols no próprio Vitorinha, num 5-1 em um Torneio jogado em Mallorca (o mesmo que o Flamengo enfiou 3-0 nos merengues). Mas, como tinha assistido àquele jogo meio de orelhada, o sujeito não tinha me chamado muito a atenção. Entretanto, no estádio a coisa foi diferente. O tal de Petkovic (que rapidamente foi rebatizado para Pet) gastou a bola, exibindo técnica refinada, passes cerebrais, uma assistência cinematográfica e, naturalmente, um belo gol de falta num 3-1 que o time baiano empurrou no Atlético-PR. “Esse é diferenciado”, já soltei, salivando. Pet virou sensação local, foi parar na Itália e de lá chegou ao Flamengo. E o resto é história.

“EU CEGO: VI, APOSTEI E… BEM, DEIXA PRA LÁ”

UÉSLEI

Em 1995, quando o Flamengo de Kléber Leite confirmou a contratação de Uéslei, vindo do Guarani, eu me animei, pois conhecia sua trajetória no Bahia. Volante vigoroso e versátil, com excelente chegada à frente e um chute violento, era um jogador capaz de agregar competitividade ao criticado meio-campo do rubro-negro. Nunca me conformei de vê-lo fora de um time onde desfilavam “sumidades” como Pingo e Márcio Costa. De qualquer forma, o verdadeiro caos que se alastrou no extracampo do Flamengo pouco ajudou. Uéslei acabou atuando em poucas partidas (marcou um gol importante, nos 2-1 contra o Sport que afastaram a ameaça de rebaixamento) e saiu da Gávea pela porta dos fundos, com fama de caneludo. Mais tarde, algum treinador iluminado o adiantou, fazendo-o atuar como meia-atacante, e o sujeito explodiu a marcar gols. De qualquer forma, a passagem pelo Flamengo acabou se tornando mais uma esquecível, junto com as de outras dezenas de jogadores contratados à época.

ANDREZINHO

Foi em 2002 que prestei mais atenção a esse meia algo franzino, de passadas longas, drible fácil e alguma visão de jogo. Num time onde vicejavam sumidades como André Gomes, André Paraná, Zé do Gol e Hugo, não foi difícil “me encantar” com o futebol do rapaz. “Esse Andrezinho é um dos poucos que tem algum futebol. Se o time fosse melhor...”. E, de fato, seu início foi promissor. Mas é aquilo… Time perdia dia sim dia também, lambia a Zona do Rebaixamento, aí “não fica um, meu irmão”. Rapidamente virou “lacraia”, “baranga” e foi “eleito” um dos alvos de um torcedor irritado. Ainda durou uns dois anos e acabou saindo enxotado a tapa. Viveria momentos de brilhareco em outros clubes, mas nada que lhe fizesse merecer a alcunha de protagonista. Nessa falhei fragorosamente.

VINÍCIUS CARIOCA

Todo mundo prestando atenção na Copa de 1998, que iria começar dali a cerca de uma semana, e me inventam de marcar um amistoso na Fonte Nova. O Flamengo de Joel Santana contra o Bahia. E lá vou eu encarar as arquibancadas vazias e geladas do templo baiano. Num jogo sonolento e desinteressante, o Flamengo disfarçou melhor sua falta de vontade e fez 2-0. Mas voltei pra casa satisfeito, por ter conhecido o futebol de um sujeito alto, de impressionante envergadura e imposição física. Sério, parecia um daqueles africanos de Camarões, Nigéria, essas coisas. Seu nome, Vinícius, o autor de um dos gols do cotejo. Passou a Copa, começou o Brasileiro, e lá estava o Vinícius entrando no segundo tempo, fazendo gol, sendo útil. Daí o time entrou numa draga, começou a afundar na tabela, o Joel rodou, entrou o Evaristo, que não morreu de amores pela técnica não tão, digamos, refinada do rapaz e o encostou. Alguma coisa muito grave ele deve ter feito, porque o Flamengo o mandou pra Série C, quer dizer, pro Fluminense. Depois, já com a alcunha de “Carioca”, andou tendo bons momentos no futebol nordestino, especialmente no Fortaleza. Mas bem longe do que eu imaginava.

WALTER MINHOCA

Não consigo até hoje imaginar onde eu estava com a cabeça quando algum dia supus que um jogador que atendia pela pitoresca alcunha de “Minhoca” daria certo no Flamengo. Pô, mas o cara nos primeiros jogos, lá pelos idos de 2006, até que batia uma bola direitinha. Mudou um jogo contra o Juventude, depois meteu bola na trave contra o Inter, era um meia arisco, bom de tabela, finalizava, enfim. Meses antes o cara demoliu o Botafogo no Maracanã, atuando pelo Ipatinga na Copa do Brasil (se bem que maltratar o Botafogo não é necessariamente uma façanha inalcançável…). Enfim, o fato é que eu me agradei do futebol do moço e achei que ele agregaria algo a um time que jogava um futebol, digamos, opaco. Mas é aquilo, começou como Walter e terminou como Minhoca mesmo. Outro dia ele deu entrevista, dizendo que errou e tal. Mas, enfim, não tinha como dar certo. O problema ali começou no nome.

ARINÉLSON

“Pô Melo, Arinelson? Tá de brincadeira!” É, eu sei, eu sei… Arinelson surgiu como um furacão no modesto Iraty do Paraná. De lá foi pro Santos, levado por Vanderlei Luxemburgo, que definiu seu futebol como “uma mistura de Maradona com Beckenbauer”. Não era pra tanto, mas eu vi alguns jogos dele pelo clube praiano, e deu pra impressionar. O bicho rabiscava geral, entrava na área como queria, tinha bom passe, metia gol a rodo, enfim. “Craque de bola, esse é craque”. Daí em 1998 veio pro Flamengo, numa troca com os santistas. Vieram Arinelson, M.Assunção e Caio, foram Athirson e Lúcio. “Esse vai arrebentar, tem a cara do Flamengo”, decretei. Pô, o cara fez DOIS jogos no Flamengo. DOIS. De fato arrepiou e barbarizou. Fora do campo... A passagem dele foi tão medonha que o devolveram antes do final do empréstimo. Depois, foi ladeira abaixo. Rodou, rodou, depois rodou mais um pouco e definitivamente sumiu. Hoje de vez em quando aparece em alguma dessas mensagens de Whatsapp, tipo “você se lembra dos anos 90?”. Bem, apostar no Arinelson, de fato, não foi algo muito edificante para minha "carreira" de olheiro…

Boa semana a todos,


Adriano Melo escreve seus Alfarrábios todas as quartas-feiras aqui no MRN e também no Buteco do Flamengo. Siga-o no Twitter: @Adrianomelo72.


 

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