Mais do que um treinador de futebol, Tite é um mago da retórica, um feiticeiro do vernáculo, uma espécie de David Copperfield da entrevista coletiva.
Se você questiona Tite sobre um resultado ruim ele fala que o foco não é resultado, é o desempenho; mas se você questiona o desempenho ele fala que o foco não pode ser só desempenho, existem também os seres humanos; e se você mostrar que os seres humanos não estão tão bem assim ele provavelmente te pergunta qual o som de apenas uma mão batendo palmas e desaparece atrás de uma pedra.
E foi graças a esse talento, tanto quanto a alguns bons trabalhos, que se criou a identidade do que podemos chamar de “titismo”. Você tem um futebol que não é necessariamente bonito e empolgante, mas que é vencedor, e você tem um treinador que não necessariamente consegue responder uma pergunta direta com uma frase coerente, mas que sabe armar times com solidez defensiva e unir o grupo em torno dele.
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Ou seja, Tite seria o seu homem pra uma disputa de pontos corridos, ainda que seja a pior pessoa possível pra você pedir direção na rua se estiver com pressa (“como que chega na Pinheiro Machado? bem, pra mim, mais importante do que chegar, é preparar homens capazes de escolher o próprio caminho, porque as relações entre os seres humanos, elas impactam vidas…”)
Mas o que acontece quando as promessas do titismo falham? Quando o exímio armador de defesas começa a sofrer não apenas cada vez mais gols, mas gols cada vez mais ridículos? Quando o cidadão que joga feio mas ganha, passa a jogar ainda mais feio, porém sem ganhar? Quando o especialista em dar explicações se coloca em situações cada vez mais inexplicáveis?
Porque ainda que obviamente Tite vá sim dar suas explicações e argumentos, que vão desde o calendário e as lesões até provavelmente a necessidade de focar menos na goleada humilhante deste domingo e mais no crescimento do Wesley como ser humano, a verdade é que nada justifica uma derrota como a de hoje, onde o Flamengo, mais uma vez, se propôs a não atacar porque Tite, mais uma vez, se propôs a ser covarde.
E não, nem todos os elementos da derrota patética diante do Botafogo são responsabilidade direta de Tite. A lesão de Arrascaeta, com poucos minutos de jogo, provavelmente é sim culpa do calendário – do qual Tite reclama, mas que não fez nada para mudar em anos no comando da seleção – assim como a existência dos atletas Wesley e Allan não pode ser diretamente ligada ao treinador – ainda que tenha passado por ele o papo de “não precisamos de reforços na lateral-direita”.
Então sim, o Flamengo ter passado pelo que passou neste domingo é culpa de bastante gente, indo desde atletas sem condições de vestir o Manto rubro-negro até dirigentes incapaz de, mesmo com a maior receita do continente, montar um elenco com a qualidade necessária para disputar os torneios onde queremos brigar. Não é só Tite, é muita gente além de Tite.
Mas quando for ele, Tite, que vai tentar justificar, explicar e normalizar a humilhação que aconteceu neste domingo, é preciso lembrar que não dá pra justificar covardia, não tem explicação pra falta de vontade e não é normal ser goleado dessa forma. Ainda mais num clássico, principalmente logo antes de um jogo decisivo de Libertadores.