Grandes momentos de Domènec Torrent no livro de Guardiola: reflexões, broncas, foco e Philipp Lahm

31/07/2020, 21:44

Novo treinador do Flamengo, Torrent teve destaque em alguns momentos no livro “Guardiola Confidencial”, do jornalista Martí Perarnau

MRN Blogs | Adriano Skrzypa – Twitter: @FlamengoNumeros e @FlaFeminino

Nesta sexta-feira, o catalão Domènec Torrent, foi anunciado oficialmente como o novo técnico do Flamengo. O treinador de 58 anos assinou contrato válido por um ano e meio com o clube carioca, e será o sexto técnico europeu a comandar o Mengão.

Após iniciar sua carreira como treinador no Palafrugell, no Palamós e no Girona, Domenèc foi auxiliar de Pep Guardiola (Barcelona, Bayern e Manchester City) durante onze anos, conquistando 24 títulos no período. Torrent então decidiu seguir “carreira solo” e assumiu o New York City FC, entre os anos de 2018 e 2019.

Em 2015, o jornalista espanhol Martí Perarnau lançou seu livro intitulado “Herr Pep“, após um ano acompanhando de perto a rotina e o trabalho de Guardiola durante 28 semanas no Bayern de Munique (2013/14). Traduzido ao português pela editora Grande Área, a obra recebeu o nome de “Guardiola Confidencial“. Torrent, então auxiliar de Pep na temporada foi lembrado no livro. Recorde os principais momentos:

guardiola confidencial
Martí Perarnau acompanhou Pep e Cia durante uma temporada.

1 – Lahm de volante: Rafinha participa

No Momento 7 do livro, intitulado “Viu o potencial do Lahm?”, Perarnau detalha o amistoso vencido pelo Bayern diante do TSV Regen, por 9 a 1. O último capítulo trata-se exclusivamente do atleta:

Durante a volta a Munique, aliás, a cabeça de Guardiola já está em outro lugar: mais precisamente, em Lahm. A viagem se transforma em uma conversa monotemática entre Guardiola e Domènec Torrent, assistente técnico, sentado a seu lado: “Viu o potencial do Lahm? Viu como ele encontra os corredores, como gira e protege a bola? Certamente pode jogar tanto na lateral como no meio de campo”. É o prenúncio de uma das grandes descobertas da temporada…

A confirmação vem no “Momento 26”, que mostra detalhes sobre a final da Supercopa da UEFA. no dia 30 de agosto de 2013. Bayern e Chelsea empataram em 2 a 2, e o clube alemão sagrou-se campeão nas penalidades máximas.

Após meia hora de jogo, acontece uma mudança que marcará toda a temporada do Bayern. Kroos sofre todas as vezes que o Chelsea lança bolas às suas costas, porque sua maior virtude não é girar rápido e defender. Então, Domènec Torrent, assistente de Pep, lhe diz: “E se colocássemos Lahm como volante?”.


Guardiola não vacila. Levanta-se rápido e, quase entrando em campo, grita para Kroos: “Toni! Você de 8, você de 8! Philipp de 6!”.


Nesse momento, inicia-se uma nova etapa para Philipp Lahm, como volante do Bayern. Lahm chegou ao Bayern aos onze anos, vindo do ft Gern, e nas categorias de base treinou sob as ordens de ninguém menos que Hermann Gerland, assistente técnico de Heynckes e de Guardiola. Gerland o colocou para jogar em várias posições: como lateral direito, ponta e meio-campista, função em que também foi comandado por Roman Grill, que hoje é seu representante.

Aos dezenove anos, estreou na equipe principal, treinado por Ottmar Hitzfeld. Como as laterais eram ocupadas por Willy Sagnol e Bixente Lizarazu, Gerland se encarregou de falar pessoalmente com o técnico do Stuttgart, Felix Magath, para que aceitasse o empréstimo de Lahm. No Stuttgart, o atleta se destacou como lateral esquerdo. Dez anos depois, Guardiola começou a usá-lo como meio-campista e agora, em plena final da Supercopa Europeia e com o placar adverso, ordenava que ele assumisse a delicada posição de volante: o eixo do time.


Meses mais tarde, no final de novembro, Guardiola recordaria aquele movimento: “As palavras de Dome [Domènec Torrent] foram chaves. Se ganharmos alguma coisa nesta temporada, será em razão daquele dia. Ouça bem o que digo: se ganharmos alguma coisa nesta temporada, será por causa do Lahm. Porque posicioná-lo como volante foi o que reordenou todas as peças”.


Aos poucos, o Bayern começa a dominar a final. Além de Lahm ter se reposicionado, Pep também fez Rafinha se adiantar, de forma que a equipe passou a atacar com um 3-3-1-3. Rafinha fecha por dentro e ajuda Lahm, enquanto Kroos pode armar as jogadas de ataque e Müller atua livre, como meia ofensivo.

2 – “Nos maus momentos, nunca se deve dar uma bronca”

Momento 35. Intervalo de jogo e o Bayern perdia para o Mains 05 por 1 a 0. No final de jogo, o resultado marcou 4 a 1 para os bávaros. Martí então pergunta à Torrent se teve “bronca” nos jogadores no intervalo da partida. E a resposta foi essa:

Nunca. Nos maus momentos nunca se deve dar uma bronca. As broncas são reservadas para os bons momentos, que é quando elas podem ser úteis de verdade. Nos maus momentos o que fazemos é corrigir posições e detalhes, nunca perturbar. A credibilidade você ganha corrigindo, não dando broncas quando está perdendo.

3 – “Naquela noite aprendi que teria sido melhor ficar calado”

Momento 52. Já era março de 2014 e o jornalista jantou com Guardiola e Torrent, após uma vitória sobre o Leverkusen. E duas conversas do novo técnico do Flamengo merecem ser destacadas:

Depois do jogo contra o Bayer Leverkusen jantei com Pep e Domènec Torrent, o assistente técnico, e mencionei os recordes batidos na liga. Guardiola não sabia dos cinquenta jogos de invencibilidade, nem que tinha igualado as 25 partidas sem perder de Heynckes, nem dos outros números, mas Torrent foi direto em seu comentário: “Olha, Pep, não vamos nos preocupar com os recordes. Esqueçamos os recordes e vamos atrás do que interessa, a Champions. Tanto faz se perdermos jogos ou se levarmos gols a partir de agora. Deixemos os recordes para a próxima temporada”.

Perarnau foi além: questionou Pep e Dome sobre escalações ideais. E aprendeu com a resposta do auxiliar:

Propor uma escalação ao técnico do Bayern e ao seu assistente era uma tentação que eu não podia recusar. Assim, armado de uma inconsciência quase irracional, respondi: “Bom, está muito claro para mim. Colocaria os onze que hoje estão em melhor forma e os posicionaria em um 4-2-1-3”. E dei os onze nomes que eu escalaria, mas por que fui falar? Guardiola escutou em silêncio e não abriu a boca. Domènec Torrent por sua vez, demorou menos de dois segundos para me indagar: “E se fosse contra o Real de Cristiano Ronaldo e Bale, não escalaria Boateng, que é o zagueiro mais rápido que temos? E se fosse contra o Barça, enfrentaria Messi sem Schweinsteiger? E se fosse contra o Chelsea, jogaria com um 9 fixo sem Götze nem Müller?”.


Quantas variáveis! Naquela noite aprendi que teria sido melhor ficar calado. Guardiola não opinou sobre minha escalação, mas as perguntas de Torrent me fizeram compreender que não basta ter toda a informação, é preciso pensar e pesar muitos outros fatores, já que qualquer deslize ou precipitação na hora de escolher pode provocar um erro grave. É obvio que eu sabia que ser técnico é uma tarefa complexa e difícil, mas naquele jantar compreendi isso melhor do que nunca e ainda percebi que, muitas vezes, nós que analisamos de fora somos
menos meticulosos e detalhistas que aqueles que criticamos tão facilmente.


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