Cuéllar e as coberturas no Flamengo: muito a corrigir

13/01/2019, 11:13

Por Téo Benjamin – Twitter: @teofb

Existe uma máxima no futebol que quase sempre é verdadeira: se o marcador está correndo atrás de alguém, alguma coisa já deu errado.

Correr atrás dos adversários cansa e é muito arriscado. Quase sempre dá errado. Aquela perseguição a toda velocidade é o último recurso, é puro desespero. É tentativa de recuperação.

No entanto, um padrão se repete em todo lance de perigo contra o Flamengo: lá está Cuéllar correndo atrás de alguém.

O Colombiano é um monstro em campo. Não tem apenas raça e disposição, mas inteligência, leitura de jogo, força, velocidade e tempo de bola. Um leão no meio-campo.

Por que, então, podemos identificar essa cena que se repete sempre que o Flamengo é atacado?

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Um breve histórico

Há um ano, Carpegianni montou o Flamengo em um 4-1-4-1 bem distinto, com Cuéllar logo atrás do meio-campo (até então Éverton Ribeiro, Diego, Paquetá e Everton), protegendo a defesa.

A principal função do camisa 8 era proteger o “funil”, a entrada da área, a famosa “zona do agrião” (pelo menos para os mais velhos). Assim, Cuéllar funcionava como uma espécie de “âncora”, impedindo que os adversários ficassem confortáveis à frente da nossa área e induzindo-os a atacar pelos lados.

Barbieri mudou essa função. Cuéllar deixou de ficar preso à frente dos zagueiros e passou a ter liberdade para fazer a cobertura pelos dois lados. Ele apoia defensivamente qualquer um dos laterais, dependendo do lado da bola.

Se o adversário constrói sua jogada pela esquerda, lá está Cuéllar cobrindo Pará ou dobrando a marcação. Na outra ponta é a mesma coisa.

O “âncora” se tornou “limpador de para-brisas” e seu rendimento cresceu, assim como a consistência defensiva do Flamengo.

Compactação

Jogando no 4-1-4-1, o espaço entre a linha de defesa e a linha de meio-campo é ocupado por um volante, justamente Cuéllar.

Mas o Flamengo mantém uma organização bastante rígida na vertical, o que significa que uma linha raramente “entra” na outra. Ou seja, os pontas não acompanham os laterais adversários até a linha de fundo, ficando mais recuados que os próprios laterais rubro-negros, por exemplo.

(É por isso que o gol de Danilo Avelar, do Corinthians, na semi-final da Copa do Brasil, não foi culpa de Éverton Ribeiro, mas isso é outro assunto)

Isso significa que a presença de Cuéllar “empurra” a linha de meio-campo para frente, até para que um dos meias possa se juntar à pressão na saída de bola do adversário. As duas linhas jogam ligeiramente afastadas (no futebolês moderno se diria que não há compactação vertical) e o volante se ocupa de todo o espaço entre elas. Aquele espaço enorme, aquela terra de ninguém, tem dono: Cuéllar.

Em contraste, se o Flamengo se defendesse no 4-4-1-1 (ou 4-4-2, tanto faz) o meio-campo recuaria, as linhas ficariam mais agrupadas. O espaço seria preenchido por vários jogadores

Os problemas

A questão que surge é a seguinte: se Cuéllar, como “limpador de para-brisas”, sai para apoiar um dos laterais, seja com uma cobertura, seja com uma dobra de marcação, o espaço que ele normalmente ocupa fica vazio. Se a linha de meio-campo não recua para compensar essa saída, surge um buraco justamente no “funil”, a zona mais perigosa, aquela que devemos defender sempre.

Além disso, o camisa 8 é obrigado a dar piques extremamente longos. Não só corre atrás dos adversários, mas sai em enorme desvantagem. Assim, muitas vezes chega atrasado nessas jogadas e é facilmente batido. Os dois gols do São Paulo, que veremos abaixo, são bons exemplos. Se o sistema de cobertura fosse diferente, possivelmente teriam sido evitados.

Não se trata de um erro individual de Cuéllar. Pelo contrário, ele é o mais prejudicado nessas situações – o que mais corre e é menos apoiado. Mas ele acaba sendo o símbolo maior dessa falta de sincronia.

Existe uma arma mortal para atacar o Flamengo: arraste Cuéllar para fora de sua posição e seja feliz.

Isso precisa ser corrigido.

Alguns exemplos

Olhando os melhores momentos dos jogos do Flamengo, é fácil identificar estes lances. Basta focar exclusivamente em Cuéllar quando o adversário tem uma jogada de perigo.

Vamos a alguns exemplos usando imagens. Cuéllar está sempre marcado pela seta amarela. Os vídeos estão nos links (no site do globoesporte.com).

Ajax 2 x 2 Flamengo

No primeiro gol dos holandeses, Huntelaar vai para cima de Pará e o lateral Cerny faz a ultrapassagem por fora. Cuéllar sai desesperado na cobertura, chega atrasado e não consegue evitar o toque para trás. O centro-avante invade o funil e chuta livre.

A linda troca de passes do Ajax levantou uma pergunta: onde estava Cuéllar enquanto o adversário tabelava na entrada da área? Ele havia saído dali para dar combate a Huntelaar próximo à nossa lateral direita, lá no início da jogada. A bola veio para o meio e, com a entrada da área desprotegida, Rhodolfo resolveu se adiantar para disputar a jogada. Fez lambança. Deixou um buraco às suas costas, bem aproveitado.

São Paulo 2 x 2 Flamengo

O primeiro gol do São Paulo no Morumbi merece uma historinha. Renê perdeu uma disputa pelo alto contra Diego Souza no círculo central. Eram dois jogadores do São Paulo contra cinco do Flamengo. A bola ficou com Carneiro. Réver era o jogador do Flamengo mais próximo, mas quem saiu na cobertura foi Cuéllar. Chegou a toda velocidade quando o atacante já tinha a bola totalmente controlada na ponta direita, então foi facilmente batido por um leve corte. O cruzamento foi ruim, mas encontrou Diego Souza, que justamente infiltrava pela entrada da área livre para fuzilar o goleiro.

O segundo gol foi um golaço, de fato. O garoto teve muito mérito. Mas acompanhe a jogada toda com atenção. Helinho vem com a bola dominada e muito espaço. Renê já está preocupado com a ultrapassagem do lateral direito do São Paulo, que vem voando completamente desacompanhado. Com isso, Cuéllar vai ajudar. Chega, mais uma vez, correndo à toda velocidade contra um jogador que tem a bola sob controle e o pé bom “para dentro”. Com isso, é facilmente batido novamente e fica muito distante para tentar bloquear o chute, que vai no ângulo.

Flamengo 1 x 1 Palmeiras

Aqui, não vamos falar do gol, mas do lance mais perigoso do Palmeiras no jogo (que acabou com milagre de César e impedimento mal marcado pelo bandeira). Guerra ganha de Leo Duarte uma bola longa pelo alto. Cuéllar está mal posicionado, mais pela esquerda, cobrindo uma subida de Renê. Nenhum outro meio-campista do Flamengo fecha o espaço. A bola fica com Dudu, que tem todo o tempo do mundo para dominar, amaciar, olhar e deixar Guerra na cara do gol, enquanto Cuéllar o persegue desesperadamente.

Flamengo 0 x 2 Cruzeiro

Deu tudo errado contra o Cruzeiro na Libertadores. Logo após o primeiro gol, Thiago Neves perdeu uma chance inacreditável embaixo das traves depois de um passe estranho de Robinho dentro da pequena área. A jogada se construiu nos pés de Arrascaeta, que avançou com relativa tranquilidade, apenas perseguido por Éverton Ribeiro. Cuéllar estava cobrindo uma subida de Rodinei ao ataque e não estava ali para fechar o caminho do uruguaio.

Thiago Neves ainda desperdiçou outra boa chance quando o jogo ainda estava 1×0. Cuéllar teve que dar apoio perto da linha lateral, a bola chegou a Arrascaeta, que encontrou o camisa 30 absolutamente livre na entrada da área. Éverton Ribeiro só chegou para combater quando a bola já estava na metade do trajeto rumo à lua.

Mas não acaba aí. No segundo gol do Cruzeiro, Renê retornava do ataque e Cuéllar foi se aproximando para cobrir Réver na linha de fundo. A bola chegou mais uma vez a Arrascaeta, que rolou para Henrique. O chute saiu exatamente na posição onde Cuéllar deveria estar, pelo menos em teoria, e desviou em Thiago Neves antes de entrar.

Existe solução?

Tudo isso mostra como o futebol é um sistema vivo. Uma série de reações em cadeia. Quando um jogador se desloca, abre espaço. Se esse espaço não for bem ocupado imediatamente, gera problemas que vão se empilhando.

O problema está claro. Existe um limite para o tamanho da faixa de campo que um jogador pode cobrir sozinho. Não é possível estar em dois lugares ao mesmo tempo. Claramente Cuéllar fica sobrecarregado, pois se demanda que ocupe uma área grande demais.

Parte da solução passa por refinar ainda mais o senso de posicionamento do colombiano, mas “aprisioná-lo” na entrada da área não parece ser boa ideia, pois foge de suas características.

O Flamengo precisa melhorar seu sistema de coberturas. Talvez os zagueiros precisem se acostumar a dar suporte aos laterais com mais contundência e certamente os meias precisam melhorar a compactação.

Mas a solução mais rápida e eficaz parece ser uma só: dividir o trabalho. Literalmente.

Com as novas contratações, o Flamengo pode mudar do 4-1-4-1 como formação-base para um 4-2-3-1 (com Éverton Ribeiro, Arrascaeta e Vitinho na linha de meias), se denfendendo em 4-4-2. Ao lado de Cuéllar estaria um outro volante – Piris ou até mesmo Rodrigo Caio – que ajude a fatiar o campo em duas metades.

Cada volante daria suporte ao lateral de um lado. Quando um deles fosse forçado a sair de posição, o outro garantiria a fechamento do tal “funil”.

Proteger a entrada da área deve ser a prioridade do Flamengo. Foi a maior vulnerabilidade de 2018. A chegada de novos laterais deve ajudar, mas o importante é corrigir a ocupação dos espaços.

Por tudo isso, talvez o caminho lógico seja mesmo a escalação de outro “limpador de para-brisas” ao lado de Cuéllar, sem cair no discurso pré-moldado de que “um time precisa de um primeiro e um segundo volante”. Um esquema assim pode manter a liberdade dos homens de frente e dar ainda mais tranquilidade para os nossos laterais.

Devemos aproveitar o nosso leão ao máximo, não sacrificá-lo.


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Téo Ferraz Benjamin
Autor

Escrevo as análises táticas do MRN porque futebol se estuda sim! De vez em quando peço licença para escrever sobre outros assuntos também.