Como a ciência e o budismo se uniram para nos ensinar a torcer

16/01/2018, 17:22

Saudações, Rubro-Negros!

Vocês que já leram algum dos meus textos anteriores provavelmente irão se lembrar de que sou quase sempre bastante cauteloso ao falar sobre expectativas e costumo defini-las como a mãe de todas as frustrações. E digo “quase”, porque há, sim, momentos em que me deixo levar por elas e entro firme num universo de fantasias, ilusões e narrativas que muito facilmente poderiam estar num filme do Adam de Almeida Sandler.

A verdade é que foram poucos os momentos nesta minha trajetória rubronegrista em que não caí nessa armadilha. Dos que consigo me lembrar, os mais marcantes foram as campanhas dos títulos brasileiros de 1992 e 2009. Naqueles anos, diferentemente do que acontece comigo na maior parte das vezes, vivi cada jogo na sua plenitude. Vendo pela TV, ouvindo pelo rádio ou presente ao estádio, passava todo o tempo de cada uma das partidas 100% integrado ao que acontecia dentro de campo. Não torcia, vivia os jogos. Era tão intenso, que antevia boa parte do que estava para acontecer por conseguir perceber o que cada jogador faria antes mesmo que recebesse a bola. Havia uma conexão, uma sintonia entre mim e tudo o que se desenrolava lá dentro ao longo daqueles 90 e poucos minutos. Lembro que ao final me sentia cansado, ofegante, até, e no dia seguinte sentia dores musculares, principalmente nas pernas.

Acredito que muitos de vocês também já tenham experimentado tal sensação e, assim como eu, não sabiam que isso é chamado pela ciência de mindfulness, que podemos traduzir para o português como “atenção plena”.

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O conceito de atenção plena e a prática da mesma foram estudados, desenvolvidos e introduzidos na medicina tradicional pelo dr. Jon Kabat-Zinn, atual diretor da Escola de Medicina de Massachusetts, uma das mais importantes e prestigiadas do mundo. O médico PhD, desde sempre um admirador e estudioso do Budismo, Zen-Budismo e da meditação, dentre outras práticas orientais, ainda iniciando sua carreira, conseguiu dar a partida em seus experimentos de forma quase acidental, quando teve aceita por parte do chefe da unidade de tratamento a pacientes que sofriam dores extremas -- pessoas com câncer em estágio terminal, acidentados, portadores de síndromes raras etc. -- do hospital em que trabalhava na época a sugestão de usar a meditação para obtenção da atenção plena (mindfulness) no tratamento daqueles indivíduos que sofriam dores insuportáveis, inimagináveis para a maioria de nós, e que já haviam sido submetidos, sem qualquer sucesso, a toda sorte de tratamentos medicamentosos, inclusive alguns ainda em fase de testes. O argumento que ele usou para convencer o chefe? Aquelas pessoas já haviam tentado de tudo, se submetido a tudo, e nada fez com que tivessem um só dia melhor em suas vidas; por que então não tentar algo diferente, que poderia até repetir o insucesso do que já havia sido experimentado, mas que com certeza não iria piorar a situação de ninguém?

O experimento se revelou um grande sucesso. As pessoas não deixaram de sentir as dores; quem estava para morrer, morreu, porém todos viveram o tempo que lhes restava sem tanto sofrimento. De certa forma, a vida daqueles homens e mulheres melhorou. Foi a partir daí que o dr. Jon recebeu o sinal verde para comprovar cientificamente o que na prática já se notava, o que fez nos anos seguintes, até chegar ao que hoje a medicina tradicional chama de Redução de Estresse Baseada na Atenção Plena (MBSR, na sigla em inglês).

Para não prolongar demais o assunto e perder o fio da meada, basta dizer que o que a MBSR faz é ajudar o ser-humano a estar em contato com o agora o mais frequentemente possível. Em outras palavras, estar presente no presente. Por meio do exercício regular da meditação, a pessoa consegue atingir um maior nível de concentração naquilo que está se passando com ela e em torno dela, fica mais atenta e consequentemente vive a realidade como ela de fato é, não a “realidade” de cada um, aquela que a nossa mente cria como se fora o roteiro de um filme do qual somos a personagem principal e todos os demais vão sendo encaixados em seus devidos papéis.

É preciso destacar aqui que essas fantasias, esses cenários que nossa mente cria são comuns e não há problemas nisso, desde que o indivíduo não faça disso uma válvula de escape, não encontre nisso a fuga do seu universo real, esteja ele passando por um momento de vida melhor ou pior. Seja lá qual for a situação, é preciso vivê-la de forma plena, há que se encarar os fatos como eles são. E isso para alguns -- e me incluo nesse grupo -- pode ser extremamente complicado, especialmente quando falamos de futebol, do time que amamos e no qual invariavelmente depositamos uma expectativa quase sempre grande, mesmo quando os sinais de que atingi-las são escassos demais, às vezes até inexistentes. Podemos até não externar tais expectativas, entretanto elas aparecem em nossa mente mesmo que de maneira involuntária. Aliás, é mais comum que seja desse jeito, ou seja, sem a gente ter muito controle. Quando nos damos conta, já estamos “viajando”.

Eu, por exemplo, tento não me empolgar com a chegada do tal Marlos Moreno, pois, afinal de contas, o cara não joga bem uma só partida desde que saiu do Atlético Nacional, em 2016. Tampouco me permito ficar animado com a possibilidade de ver Vagner Love de novo com o Manto, embora ache que ele possa ser o parceiro de ataque ideal do Guerrero, caso este último de fato consiga se livrar da punição imposta pela Fifa e permaneça no clube. De maneira racional, tento simplesmente não pensar em como seria se um voltasse a jogar a bola de um ano e pouco atrás, nem se o outro fosse mesmo contratado. Tento não projetar qualquer tipo de cenário ao buscar me manter conectado apenas com o presente, com aquilo que é real e palpável neste exato instante. E não se enganem, meus caros, porque para especialistas como o dr. Jon Kabat-Zinn esse é simplesmente o trabalho mais difícil do mundo. E para mim é mesmo, uma vez que em meio à dureza do dia a dia e às dificuldades que todos nós enfrentamos nas nossas vidas, fantasiar, sonhar e imaginar as alegrias que nos podem ser proporcionadas por nosso time ao longo do ano são ações que nos trazem uma paz momentânea e um regozijo semelhantes aos que sentimos quando bebemos, ou consumimos qualquer outra substância que nos tire da realidade por alguns instantes. Contudo, da mesma forma que não há qualquer problema em tomar sua cervejinha ou sua dose de whisky de vez em quando, também não vai te fazer mal algum “viajar” um pouquinho. O problema, como sempre, está no excesso, sendo que, neste caso específico, as consequências vêm na forma de coração partido, já que somos eternos apaixonados por nosso clube. O estrago é bem semelhante àquele causado pelo fim de um relacionamento, ou um amor não correspondido. E é aqui que a ciência e a cultura popular se encontram e nos lembramos do que canta o também rubro-negro Alexandre Pires na linda “Que se chama amor”. No trecho em que descreve essa como “a dor mais dura que a pessoa pode ter” ele foi tão feliz quanto preciso.

Fantasiar é parte da aventura que é ser humano. Por mais que nos esforcemos, em algum momento seremos sugados por alguma fantasia, e isso tem um preço. De novo, não há nada de errado nisso. É necessário apenas ter a compreensão de que é preciso fazê-lo com moderação.

SRN


Fabiano Torres, o Tatu, é nascido e criado em Paracambi, onde deu os primeiros passos rumo ao rubronegrismo que o acompanha desde então. É professor de idiomas há mais de 25 anos e já esteve à frente de vários projetos de futebol na Internet, TV e rádio, como a série de documentários Energia das Torcidas, de 2010, o Canal dos Fominhas e o programa Torcedor Esporte Clube, na Rádio UOL.

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