Cinco grandes vitórias do Flamengo fora de casa pela Libertadores
A vitória sobre o Emelec em Guayaquil na última quarta-feira foi a vigésima do Flamengo jogando na casa do adversário em Libertadores, num total de 54 partidas. Além de um resultado importante para as pretensões rubro-negras de classificação para as oitavas de final no torneio deste ano, vale também para relembrar outros triunfos marcantes do Fla atuando nessas condições.
Na história da Libertadores, o Flamengo já obteve pelo menos uma vitória contra equipes locais em todos os países que participam ou participaram do torneio. Aqui citamos cinco delas, de Barranquilla a Montevidéu. Cada uma de uma edição (a mais marcante, quando houve mais de uma) e todas anteriores a 2000, no período mais bem-sucedido do clube em competições sul-americanas – o que não significa que não haja outros grandes resultados fora do Brasil depois disso.
No blog: Virada à paulistana: 60 anos de uma épica vitória sobre o Santos de Pelé
Por fim, não foram consideradas as vitórias fora de casa sobre times brasileiros – ainda que resultados memoráveis como os 5 a 0 sobre o Santos no Morumbi em 1984 e os 2 a 0 sobre o Corinthians no Pacaembu em 1991 evidentemente mereçam a menção.
Feitas as apresentações, vamos às histórias:
DEPORTIVO CALI (Colômbia) 0 x 1 FLAMENGO
(Pascual Guerrero, Cali, 02.10.1981)
Em sua primeira participação na Libertadores – a qual terminaria com a conquista da taça – o Fla venceu três jogos no campo do adversário. Fez 4 a 2 num bom time do Cerro Porteño em Assunção, na primeira fase, e 2 a 1 no Jorge Wilstermann, na altitude de Cochabamba, no triangular semifinal. Mas o triunfo mais significativo veio entre um e outro, contra o Deportivo Cali, na Colômbia, também pela semifinal.
Quando enfrentou o Fla, o time colombiano ostentava uma invencibilidade de 25 jogos (17 vitórias e oito empates) em partidas pela Libertadores no estádio Pascual Guerrero. Não perdia em casa pela competição sul-americana desde março de 1970. Ao longo daquela série derrotou Cruzeiro, Vasco, Peñarol, Independiente, River Plate e Rosario Central, além de empatar os dois jogos que fez com o Boca Juniors.
O histórico recente do time alviverde também impunha respeito: primeiro time de seu país a chegar a uma decisão da Libertadores (vice contra o Boca em 1978), tinha como referência o atacante Willington Ortiz, considerado o maior da história do futebol colombiano antes da geração de Valderrama, Rincón e Asprilla. E em 1981, na primeira fase do torneio, havia deixado pelo caminho um River Plate galáctico, repleto de jogadores de seleção argentina, como Fillol, Passarella e Kempes, batido em casa e fora.
Tudo isso, porém, ruiu aos pés de Nunes, autor do gol rubro-negro logo aos dez minutos do primeiro tempo, depois que Andrade lançou Junior na meia esquerda, o Capacete arrancou e passou na medida para o camisa 9, que limpou a marcação e chutou rasteiro, no contrapé do goleiro Zape. E o Flamengo largava em mais uma etapa rumo ao título.
Flamengo: Raul – Leandro, Figueiredo, Mozer e Junior – Andrade, Adílio e Zico – Tita, Nunes (Lico) e Baroninho. Técnico: Paulo César Carpegiani.
RIVER PLATE (Argentina) 0 x 3 FLAMENGO
(Monumental de Nuñez, Buenos Aires, 22.10.1982)
Se o Deportivo Cali tirou o River Plate do caminho rubro-negro na Libertadores de 1981, vencendo em casa e no Monumental de Nuñez, no ano seguinte o carrasco dos portenhos seria o próprio Flamengo. Como atual campeão, o Fla estreou já nas semifinais, num difícil triangular que também contava com o Peñarol.
Derrotado na estreia pelos Carboneros em Montevidéu numa terça-feira, o time precisava se reabilitar no jogo contra os Millonarios em Buenos Aires, apenas três dias depois. Embora tivesse seu elenco um tanto enfraquecido em relação ao do ano anterior, a equipe argentina ainda contava com jogadores perigosos, como o arisco ponteiro uruguaio Alzamendi, pretendido na Gávea.
Enfrentando uma verdadeira maratona de jogos, a equipe rubro-negra teve dificuldade no começo daquela partida, mas não demorou a se acertar. Aos 11 minutos do primeiro tempo, Nunes fez o corta-luz em um lançamento para a ponta direita, Wilsinho apanhou a bola e correu até a linha de fundo, cruzando para Lico escorar na pequena área, por entre os zagueiros, abrindo o placar.
Já na etapa final, Zico recebeu no meio-campo, passou a bola por entre as pernas do marcador e bateu do meio da rua, surpreendendo o goleiro Puentedura. Perto do fim do jogo foi a vez do zagueiro Marinho arrancar pela esquerda num contragolpe e cruzar para Nunes, que ajeitou e fuzilou o arqueiro, fechando o placar em categóricos 3 a 0.
Flamengo: Cantarele – Leandro, Marinho, Mozer e Junior – Andrade, Adílio e Zico (Peu) – Wilsinho, Nunes e Lico. Técnico: Paulo César Carpegiani.
ATLÉTICO JUNIOR (Colômbia) 1 x 2 FLAMENGO
(Metropolitano, Barranquilla, 29.03.1984)
Em 1984, o Fla fez uma ótima – e praticamente esquecida – campanha na Libertadores, chegando pela última vez às semifinais do torneio. O grupo na primeira fase contava também com o Santos, derrotado pelo Fla na decisão do Brasileiro do ano anterior, e dois difíceis adversários colombianos: o América de Cali e o Atlético Junior, de Barranquilla.
Na primeira Libertadores sem Zico (então já jogando na Udinese), o Fla estreou goleando o Santos no Maracanã por 4 a 1, antes de embarcar para a Colômbia. Por lá, conseguiu primeiro um bom empate (1 a 1) num duro jogo contra o América de Cali. Mas para o jogo seguinte contra o Atlético Junior perdeu Leandro, que levou um pontapé de um adversário, e Nunes, expulso após revidar uma entrada.
O lateral foi substituído pelo garoto Adalberto entrando na esquerda, com Junior passando à direita. Enquanto a vaga de centroavante ficou com Edmar. Mas aos 30 minutos, antes de o placar ser mexido, o técnico rubro-negro Cláudio Garcia já mudara completamente o esquema: Adalberto dera lugar ao ponta João Paulo, com Junior voltando para a esquerda e Bigu entrando na lateral direita.
E o primeiro gol rubro-negro saiu três minutos depois: Adílio passou para Edmar, que entrava livre pelo meio da defesa. O atacante driblou o goleiro Pogany e tocou para o gol vazio. Aos 38, no entanto, Junior falhou, e Fillol foi obrigado a cometer pênalti em Barrios. Galván bateu e empatou. No segundo tempo, o Flamengo passaria novamente à frente aos 33, quando Edmar fez jogada de ponta-esquerda: driblou seu marcador e foi à linha de fundo cruzando para o gol de Tita.
No último minuto, porém, a vitória esteve ameaçada: Figueiredo cometeu pênalti, dando aos colombianos a chance da nova igualdade. Mas Fillol – que fez partida excepcional – pulou no canto certo e defendeu a nova cobrança de Galván. O resultado deixou o Fla em posição bastante confortável no grupo, e a classificação seria confirmada com três vitórias nos três jogos seguintes.
Flamengo: Fillol – Junior, Figueiredo, Mozer e Adalberto (João Paulo) – Andrade, Bigu e Tita – Lico (Lúcio), Edmar e Adílio. Técnico: Cláudio Garcia.
1991 – NACIONAL (Uruguai) 0 x 1 FLAMENGO
(Centenário, Montevidéu, 01.03.1991)
Sete anos depois da última participação, o Fla retornava à Libertadores após conquistar a Copa do Brasil pela primeira vez em sua história. Na primeira fase, os rubro-negros teriam pela frente – como era hábito na época – o outro representante brasileiro, o Corinthians, além da dupla uruguaia Nacional e Bella Vista (este, o surpreendente campeão nacional no ano anterior).
Mal no Brasileiro, disputado naquele primeiro semestre de 1991, e com dois empates nos dois primeiros jogos da competição continental (1 a 1 com o Corinthians em Cuiabá, em jogo com mando rubro-negro, e 2 a 2 com o Bella Vista em Montevidéu), o Flamengo chegou pressionado para aquela terceira partida: o técnico Vanderlei Luxemburgo poderia pagar com o cargo em caso de derrota diante do Nacional, numa noite de sexta-feira no lendário estádio Centenário.
No primeiro tempo, o Fla perdeu uma chance inacreditável com o meia Toninho, que venceu a linha de impedimento uruguaia, arrancou, driblou o goleiro Seré, mas perdeu a passada e foi desarmado antes de poder tocar para o gol vazio. Do outro lado, o Nacional levou perigo num chute de Peña que tinha a direção do gol, mas bateu no juiz, mal posicionado no meio do caminho.
O gol rubro-negro, único do jogo, veio só na etapa final, aos 15 minutos, nascido de uma cobrança de escanteio: Junior levantou na área, Alcindo desviou de cabeça e Nélio, já quase em cima da linha, só cutucou para dentro. A imprensa uruguaia reconheceu a justiça da vitória rubro-negra, afirmando que o Fla havia superado o Nacional não apenas na técnica e na tática como também na garra.
Flamengo: Zé Carlos – Charles Guerreiro, Adílson, Rogério e Piá – Junior, Marquinhos, Toninho e Marcelinho – Alcindo (Paulo César Cruvinel) e Gaúcho (Nélio). Técnico: Vanderlei Luxemburgo.
1993 – ATLÉTICO NACIONAL (Colômbia) 0 x 1 FLAMENGO
(Atanásio Girardot, Medellín, 19.02.1993)
O ano de 1993 foi particularmente conturbado para o futebol rubro-negro, mastodôntico em números e em ambição, mas sem entregar o esperado em títulos (soa familiar?). Repleta de altos e baixos, a campanha na Libertadores colocou novamente o clube – e o Internacional, outro candidato brasileiro – frente a frente com fortes adversários colombianos: o Atlético Nacional de Medellín (que já havia vencido o torneio continental quatro anos antes) e, outra vez, o América de Cali.
Pentacampeão brasileiro no ano anterior, o Fla fez seus três primeiros jogos fora de casa. Estreou numa quinta-feira, 11 de fevereiro, com um empate sem gols diante do Inter (vencedor da Copa do Brasil) no Beira Rio. Na terça-feira seguinte, dia 16, foi a Cali e perdeu por 2 a 1 (escapando de derrota maior) para um ótimo América de Rincón, Lozano e Leonel Álvarez. O último jogo fora de casa seria contra o Atlético Nacional no dia 19, uma sexta-feira de Carnaval.
Dirigido por Hernán Darío Gómez, aquele time Verdolaga era repleto de jogadores da seleção colombiana, num ano que entrou para a história do futebol do país, especialmente pela emblemática vitória por 5 a 0 sobre a Argentina em Buenos Aires nas Eliminatórias da Copa. Havia o folclórico goleiro Higuita, os laterais Herrera e Gómez, o zagueiro Escobar, os meias Gavíria e Serna e os atacantes Aristizábal e Trellez.
Jogando bem, com marcação forte e saída rápida e objetiva nos contragolpes, o Flamengo foi melhor em todo o jogo. E chegou ao gol ainda aos 19 minutos do primeiro tempo, numa bobeada de Higuita. O goleiro recebeu o recuo de Escobar e tentou sair jogando, mas Renato Gaúcho se intrometeu na jogada e meteu a bola para as redes. No fim, com a defesa firme e jogando um futebol coletivo, o Fla neutralizou a pressão do adversário e conseguiu uma vitória importante para a classificação.
Flamengo: Gilmar – Wilson Gottardo, Júnior Baiano, Rogério e Piá – Junior, Marquinhos, Marcelinho e Nélio (Júlio César) – Renato Gaúcho (Gaúcho) e Nílson. Técnico: Carlinhos.
Depois de bater o Nacional, o Fla ainda venceria fora de casa o venezuelano Minervén por 1 a 0, depois de tê-lo massacrado por 8 a 2 no jogo de ida das oitavas de final. A campanha de 1993 foi a última participação rubro-negra na Libertadores antes da virada do milênio. Depois disso, de 2002 para cá, foram 27 jogos e oito vitórias como visitante contra Paraná, Maracaibo (ambos em 2007), Cienciano, América do México (ambos em 2008), Caracas, Universidad do Chile (ambos em 2010) e o Emelec, derrotado em 2014 e outra vez agora.
Que venham as próximas!
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Emmanuel do Valle é jornalista e pesquisador sobre a história do futebol brasileiro e mundial, e entende que a do Flamengo é grandiosa demais para ficar esquecida na estante. Dono do blog Flamengo Alternativo, também colabora com o site Trivela, além de escrever toda sexta no Mundo Rubro Negro.
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