Primeiro Preâmbulo
Certo dia, uma senhora me veio dizendo que Albert Einstein nem humano era. Que sua inteligência e conhecimento estavam acima da capacidade do Homem.
O sujeito estudou, dedicou-se aos livros e reflexões, privando-se de entretenimentos; dedicou sua juventude ao conhecimento da obra de outros cientistas, os quais dedicaram também sua vida aos seus trabalhos, influenciados e orientados por outros.
Todos eles e antes deles, tantos outros, por séculos, desenvolvendo e propondo ideias, em exaustiva dedicação ao desenvolvimento científico.
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Muitos, aliás, pagaram seu preço – morrendo em fogueira, despescoçados em guilhotina ou assando no câncer com sabor de urânio.
Ao propor que tenha sido Einstein um ET, quanto da vida real a senhora não jogou por terra? Menosprezou, a um só tempo, o merecimento do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, a escola onde estudou o jovem Einstein, bem como toda sua passagem pela Universität Züri. Não teve Einstein grandes e capazes mestres, mais os coordenadores de ensino, a tia da merenda?
Explicações fáceis – que apresentam atalhos ou ignoram os dados da vida cotidiana – devem sempre ser menosprezadas do mesmo modo que menosprezam a realidade.
Einstein é um ET quando é o momento de compreendermos suas complexas teorias – mas era demasiadamente humano quando fumava seu cachimbo ou pagava o aluguel.
Primeira Lei de Wallace
Não há Talento que possa ser descontextualizado.
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Segundo Preâmbulo
Um vizinho, já falecido há uns vinte anos, viveu dizendo que nem Chico, nem Caetano, nem Roberto, nem nenhum desses notórios compositores de centenas e centenas de músicas conseguiria realmente compor tanto.
“Tudo música comprada. Muito compositor pobre vende a música, ganha um dinheiro pro sustento. Aí chega o famoso e põe o nome dele”, dizia esse vizinho, com certeza de apostar o pé direito.
“Não dá, ninguém faz tudo isso não. Faz aí umas cinco, seis – ninguém consegue ficar com essa criatividade. E vou falar, disso tenho certeza, a maioria mesmo só inventa uma melodia na vida – assovia uma coisa, de sua invenção mesmo. O resto é melodia imitada”.
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Que há muito gato por lembre, ninguém duvida. Mas não haveria então na MPB esse talento de um Chico Buarque, inesgotável?
E o que seria mais difícil, afinal, ser o criador real de suas músicas ou sustentar a mentira por tantas décadas, num mundo de vaidosos e aproveitadores?
Ninguém faz mais de 500 músicas por ser o escolhido, um ET ou aberração mutante. Faz por ter domínio absoluto de sua técnica de composição e um contexto social que o alimenta e lhe dá ouvidos.
O vizinho viveu assim, morreu na certeza que fazer música como o Chico Buarque era impossível.
Segunda Lei de Wallace
O Talento se manifesta tão somente quando a execução é bem sucedida – sucessivas vezes.
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Terceiro Preâmbulo
Teve um cara chato. São-paulino.
Sujeito desagradável, aparecia na repartição para entregar documentos. Foi descobrir que eu era rubro-negro, começou:
“O Zico não era isso tudo, não”.
A vontade era de lhe bater na cara, mas o bom flamenguista é aquele que zela pelo emprego.
“A Globo pagava e tava isso de TV colorida, narrador comprado. Tudo papo. O cara era fraco”.
Eu hesitava. Chegava a temer a cara que aquele velho fazia, enrugando em canalhice, fazendo a voz em zumbido, de mau-caráter…
“Perdemos 78, 82, 86 por causa dele”, dizia com rancor. “Zico foi uma farsa…”.
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Cheguei a supor que fosse de provocação. Mas era pior. Era a opinião. Era a convicção. Eu argumentava e para cada argumento, o desgraçado alucinava:
“Zico é o maior artilheiro meio campista do mundo de todos os tempos”, eu dizia. “Marcou isso contra Madureira, até minha avó fazia isso tudo”, o sujeito não se abalava, embora eu lhe apresentasse o óbvio.
Aquilo não me fazia sentido.
Na segunda vez que veio me falar, começou dizendo “sabe um que foi melhor que ele? O Silas”. Eu lhe dei as costas e saí, em minhas náuseas e interrogações. Felizmente, dias depois, fui trabalhar noutro prédio e nunca mais o vi.
Terceira Lei de Wallace
Maior o Talento, maior a incredulidade alheia.
Paulista de Osasco, nascido em 1974, casado. Formado em Letras na USP, dramaturgo, profissional da área multimídia e servidor público federal. Rubro-negro desde 1980.