Além do mal entendido 

27/08/2024, 18:25

Muito tem se falado sobre Alinne Fanelli, repórter da BandNews FM, que foi alvo de um comportamento machista por parte do técnico do Palmeiras, Abel Ferreira.

Única mulher na coletiva, perguntou sobre a situação física do lateral Mayke. Recebeu uma resposta grosseira e machista:

 “Mais uma lesão. Vocês têm que entender que eu tenho que dar satisfação a três mulheres só. Minha mãe, minha mulher e a presidente do Palmeiras. São as únicas que têm o direito de falar comigo e pedir explicações. Por que perdeu? Por que se lesionou? Os outros podem falar, se manifestar, podem elogiar e podem criticar, porque o treinador tem que saber ouvir elogios e críticas”.

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A repercussão foi a pior possível, obviamente, e uma nota foi publicada posteriormente, terminando desta forma:

“Reconheço, contudo, que fui infeliz em minha resposta e, por esse motivo, fiz questão de procurar a Alinne e me retratar e esclarecer o que considero ter sido um mal-entendido.”

Ou seja, Abel não entendeu absolutamente nada do acontecido.

Na ânsia de se justificar, ele deixou de se desculpar. Afinal, foi um mero mal-entendido.

Só que não foi.

A fala e o comportamento do técnico foram extremamente machistas. Não apenas na coletiva, mas também na nota publicada seguidamente. 

Sabemos que existe uma misoginia estrutural e condutas inconscientes. Porém, se não paramos para refletir sobre, as atitudes não mudam. E Abel perdeu a chance de pensar sobre o acontecido. Após diversas perguntas formuladas por homens, ele responde para uma mulher que ela não tem o direito de pedir explicações.

Não soou hostil, como ele disse; foi hostil. Não foi uma resposta direcionada para todos da coletiva, como ele afirmou. Foi uma resposta para uma repórter mulher, tanto que ele cita três mulheres: sua mãe, sua mulher e a presidente do Palmeiras. Destas, ele aceita questionamentos. Das outras mulheres não.

Imagino o quanto é difícil para a Alline Fanelli, estar no meio dos seus colegas, na coletiva,  todos homens. Como é difícil ser conselheira em um Conselho onde 96% são homens. Um ambiente extremamente adverso. 

É nisso que o Abel deveria ter refletido. Procurado se colocar no lugar de uma mulher em um ambiente hostil como o futebol. Fomos proibidas durante décadas de jogar bola. Fomos e somos silenciadas, atacadas e desvalorizadas ao atuarmos em um espaço predominantemente masculino. Onde os homens enxergam as mulheres como invasoras de um território que lhes pertence.

Passou da hora destes homens mudarem. Porque não vamos nos retirar. Porque nossa liberdade, duramente conquistada, depende de nossa persistência. Porque amamos, torcemos e atuamos nesse meio. Porque o Futebol é nossa paixão, uma paixão que nos estimula, nos fortalece e nos torna invencíveis.