E acabou de chegar, o Apolinho Washington Rodrigues

16/05/2024, 20:51
O Apolinho Washington Rodrigues

Quem cresceu amando e ouvindo futebol nos anos 1980 no Rio de Janeiro, amava também as transmissões de rádio. Ao contrário dos dias de hoje, em que até pelada de colégio tem transmissão ao vivo no YouTube, o rádio era a única fonte de informação para jogos mais ou menos lado B. Quem não colou a orelha no radinho para ouvir Flamengo, Vasco, Fluminense ou Botafogo contra um time nordestino ou gaúcho no meio de semana, não viveu.

Como a TV transmitia no máximo dois jogos por semana e TV a cabo ou streaming eram coisas de ficção científica, ou de americano, o jeito era vibrar com a Rádio Globo ou a Super Rádio Tupi. Eram tempos de reconhecer os comunicadores pelas vozes marcantes. Os repórteres Gilson Ricardo, Elso Venâncio e Deni Menezes. Os narradores José Carlos Araújo, Luiz Penido e Doalcei Camargo. Os comentaristas Sérgio Noronha, Luiz Mendes e, o melhor de todos, Washington Rodrigues.

Emoção, aplausos, hino: Como foi o velório do Apolinho

Washington Rodrigues formou gerações de torcedores dos grandes clubes do Rio de Janeiro. Ninguém desligava o rádio após os jogos antes de ouvir a Palinha do Apolinho, aquele relato do que tinha acontecido em campo, mas recheado de sabedoria e toneladas de bom humor. Entre as entrevistas nos vestiários e o repeteco dos gols, vinha a voz inconfundível e cheia de carioquisse do comentarista.

Se o time ganhava e você estava mais feliz do que pinto no lixo, era perfeito para saborear a vitória e tirar ideias para zoar os amigos sofredores no colégio, na manhã seguinte. Se o time perdia e você estava cuspindo abelha africana, era o veículo ideal para aliviar a ira pelo gol perdido ou a pixotada do zagueiro. Apolinho sempre sabia o que dizer.

Em momentos especiais, Apolinho mostrava o gênio que era

Se nos jogos normais, mundanos, Apolinho já era a companhia perfeita, nos grandes momentos, ele brilhava mais do que um sol. Sempre tinha a tirada certeira para descrever o sentimento do torcedor. Você o ouvia e pensava: “Caraca, foi isso mesmo!” Um dos exemplos mais perfeitos da genialidade do Velho Apolo aconteceu em 2001. O Flamengo precisava de mais um gol para ser campeão carioca, tricampeão, na verdade.

Foi quando aos 43 minutos do segundo tempo, falta para o Flamengo na intermediária de ataque. Bola bem longe do gol do Vasco, defendido pelo ótimo Elton. Petkovic, conhecido pelas batidas perfeitas, ajeitou a bola. Mas era muito longe. Na transmissão da Super Rádio Tupi, Luiz Penido chamou Apolinho a comentar o momento. Gênio, ao invés de apresentar estatísticas ou tecer teorias, disse apenas: “E acabou de chegar São Judas Tadeu!” A tradução perfeita do que todo rubro-negro, vivo ou morto, estava pensando.

O Apolinho Washington Rodrigues descansou após mais de dois anos de luta contra o câncer. Deu tempo de ver o Flamengo tricampeão da Libertadores, em 2022. Na final, contra o Athletico-PR, emocionou a todos com seu choro de quem sabia que estava perto da linha de chegada. Agradecia a Deus por te-lo deixado ver mais um título do seu time de coração. E trabalhando.

Parou de trabalhar há cerca de um mês, infelizmente na noite da derrota rubro-negra por 2 a 1 para o Bolívar, na altitude de La Paz. Mas o destino não permitiria que ele saísse de cena assim. Lutou por mais algumas semanas e chegou a 15 de maio, data de Flamengo x Bolívar, no Maracanã, pela Libertadores.

Assistiu o primeiro tempo, viu os três gols rubro-negros e descansou. Lá no ceu, São Judas Tadeu precisava de alguém para explicar o que estava acontecendo no Maracanã. Foi nesse momento que um querubim chegou perto do padroeiro do Flamengo e disse, com a voz suave: “E acabou de chegar, o Apolinho Washington Rodrigues”.


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