Frustações com Dome e Ceni, em contraponto aos sucessos de JJ e Abel Ferreira, escancaram o fenômeno da transferência na torcida do Fla
Sigmund Freud, o pai da psicanálise, dizia que “Nós nunca somos tão desamparadamente infelizes como quando perdemos um amor”. E assim foi “caindo a ficha” da torcida do Flamengo após a partida de Jesus, e seu afastamento dos estádios, ante a pandemia de Covid-19. A conexão do técnico português com a torcida rubro-negra foi como amor à primeira vista. Só ele entendia seus problemas mais profundas na alma, e conseguiu cicatrizar todas as suas dores com as conquistas e um futebol virtuoso. E o insucesso dos dois técnicos subsequentes fez esse sentimento aumentar.
Todavia, no princípio, a confiança ainda era grande, nem essa perda lastimável conseguiria colocar um tom dramático no ânimo dos torcedores. Veio Dome e o pensamento que o Catalão daria sequência a “uma era de conquistas e domínio”. “Dome é discípulo de Guardiola, vai deitar e rolar no futebol brasileiro” ou “Dome vai tornar o Flamengo o Barcelona das Américas” foram algumas das frases ouvidas (ou similares delas) na época. Todavia, o começo claudicante serviu para colocar “as barbas de molho”, e mudar o discurso. Logo após algumas goleadas sofridas já se ouvia que “o estagiário não ia dar jeito no time”. O clamor por mudança já encontrava grande eco na torcida apaixonada. Ressoando frases do tipo “se não mudar agora perderemos a temporada.”
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Nessa ânsia e desespero já aceitávamos até técnico identificado como ídolo de outro time brasileiro, nem lembrávamos que tínhamos vaticinado que “nenhum técnico brasileiro prestava” ou que “a partir da experiência com Jesus, e a pseudo pobreza tática dos técnicos brasileiros, só comandaria o Flamengo técnicos estrangeiros.” Então, para salvar a temporada, chegou Rogério Ceni. “Pelo menos esse conhece o Brasil e os times brasileiros”, “ele sabe armar uma boa defesa”, “sua experiência campeã como jogador vai ajudar o time a sair dessa”, entre outras frases desse gênero foram bradadas no início. Todavia, as eliminações na Copa do Brasil e na Libertadores flambaram o caldeirão, culminando com duas derrotas seguidas no Brasileiro, seguindo-se de pensamentos do tipo: “Rogério só serve como técnico para time pequeno” ou “se ele continuar nem vaga na Libertadores conseguiremos”.
A cabeça de Rogério está na guilhotina, parecendo que vai ser demitido a qualquer momento, e a torcida já clama por um treinador português, embalados pelo amor a JJ e o sucesso de Abel Ferreira no Palmeiras, mas esquecem que Pinto Sá não deu certo na Colina. Talvez, seja consequência do fenômeno da transferência na psicanálise, em que substituímos o amor ou outra admiração, como solução dos problemas, sendo hoje nosso novo amor um técnico português, se não com Jesus, vai ter que ser com outro mesmo, o que comanda é a nacionalidade. De outro lado, há uma certa racionalidade, com o sucesso de vários técnicos portugueses pela Europa. Eu estou dentro desse bonde também. É só não dar muita bola para o que dizia Nelson Rodrigues e esse lance de que “toda unanimidade é burra”. E lá vamos nós frequentar o divã de novo.
Allan Titonelli é rubro-negro, amante do futebol, gosta de jogar uma pelada, assistir partidas, resenhas esportivas ou debater com os amigos sobre “o velho e violento esporte bretão”. Escreveu, ao lado de Daniel Giotti, o livro “19 81 – Ficou Marcado n...