Tem muitas ideias que parecem boas no papel ou no discurso mas não sobrevivem a cinco minutos da fria crueldade do mundo real. O seu amigo que te diz pra chegar numa pessoa porque “o não você já tem” e esquece que você ainda pode conseguir a humilhação, o político que diz que “pior do que está o Brasil não fica” como se o fundo do poço não fosse plenamente cavável, e também, como vimos hoje, a ideia de Dorival Junior de enfrentar o Ceará usando um time misto com alguns titulares, algumas figurinha carimbadas do “time b” e alguns jogadores que precisavam de ritmo de jogo.
Porque obviamente, na teoria não parecia ruim. A dupla de zaga titular e Gabigol, são bons acréscimos, certo? Varela precisa de mais ritmo de jogo, correto? Victor Hugo, Marinho, Cebolinha, Ayrton, estão jogando juntos faz algum tempinho, as coisas provavelmente vão se arranjar, não é? Ainda mais num Maracanã lotado, contra um Ceará que luta contra o rebaixamento e depois de um empate do líder do campeonato que colocava o Flamengo na situação de reduzir em mais dois pontos a sua atual distância pra ponta.
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Mas bem, como o placar de 1×1 e a continuidade da distância de 7 pontos entre a equipe rubro-negra e a primeira colocação do Brasileirão 2022 atestam, não foi bem assim que as coisas aconteceram.
Primeiro porque a escalação, que na teoria poderia até ser interessante, na prática se mostrou bem menos divertida. Com Marinho e Cebolinha mais uma vez atuando com o mesmo nível de entrosamento de um casal divorciado que só se comunica entre si através do filho pequeno e Diego Ribas tão perdido em campo que em dados momentos foi visto tentando utilizar o GPS para encontrar companheiros de equipe, todo aspecto ofensivo do Flamengo consistia em um Gabigol, progressivamente mais irritado e desesperado, realizando reclamações progressivamente mais acintosas com um número progressivamente maior de pessoas.
Então após terminar o primeiro tempo numa desvantagem que, ainda que não totalmente justa, é bem dentro do padrão dos problemas em que o Flamengo costuma se envolver, Dorival realizou algumas mudanças óbvias na intenção de oferecer ao time algum vestígio de inteligência no meio-campo, dar um companheiro de ataque para Gabigol e impedir que o que começou como um vacilo terminasse como uma tragédia. E veio o gol de empate, e veio a expulsão de Jô, atacante do Ceará, e parecia que poderia vir até a virada. Mas não veio.
E não veio bastante porque o Ceará soube fazer o que precisava naquele momento da partida, que era abandonar total e completamente a prática do futebol enquanto esporte e se dedicar a um misto de MMA e teatro amador que consistia em combinar o máximo de faltas realizadas com o máximo de momentos gastos rolando no chão após qualquer contato físico. Somando a isso a ansiedade do Flamengo, que errava lances bobos por precipitação e viu Gabigol, mais uma vez, novamente, de novo, perder o controle e cavar a própria expulsão, e você tem o cenário perfeito pra que dois pontos muito importantes na busca pelo título brasileiro sejam jogados fora em pleno Rio de Janeiro.
Com isso, no fim, tudo fica basicamente como estava. A diferença continua em 7 pontos e o Brasileirão continua parecendo uma possibilidade distante, enquanto a Libertadores e a Copa do Brasil parecem títulos viáveis. Dorival segue fazendo um bom trabalho, ainda que às vezes visivelmente apegado demais aos próprios vícios e sistemas. Gabigol segue ídolo, segue tendo crédito, mas segue também sendo um jogador que às vezes comete o crime de se pilhar demais.
E o Flamengo segue, é claro, sendo o time que mais se preocupa em manter os torcedores com os pés no chão, garantindo sempre que depois de cada goleada acachapante, de cada vitória maiúscula, de cada momento histórico, a gente passe uma raiva, uma vergonha, um constrangimento, pra lembrar como é o futebol de verdade, como são os dramas do mundo real e que nada, absolutamente nada, é garantido quando se trata da equipe rubro-negra. Que ele não sinta que precisa lembrar a gente novamente tão cedo.