A entrevista do CEO à luz de um Flamengo da gente

08/07/2017, 13:26
cultura rubro-negra


 

Fred Luz, o Chief Executive Office do Flamengo, conseguiu fazer algo bastante raro hoje em dia: ser xingado, odiado e praguejado por 99% dos torcedores que leram sua entrevista, concedida "estrategicamente" ao jornalista Diogo Dantas. As sinistras palavras de Fred, dirigidas àqueles com parcos recursos financeiros para assistirem aos jogos do Flamengo na Ilha do Urubu, ao menos deflagraram o que era tratado com cinismo há muito tempo por esta diretoria rubro-negra: o menosprezo do vil mercador por aquele que não pode comprar, sem desfaçatez, sem enganação, sem meia da meia, o vilipêndio repugnante de alguém que está literalmente andando para quem não ascendeu à classe C, no mínimo.

Alguns trecho devem ser colocados à luz, perdão pelo trocadilho infame, de uma réplica. Vejamos:

Quais os critérios para o Flamengo cobrar o que vem cobrando nos ingressos dos jogos na Ilha? O preço chegou a R$ 200, no mínimo, agora caiu para R$ 150.

Fred Luz: Os valores dos jogos variam. Ela depende muito do interesse do jogo. O objetivo é precificar para ter o estádio lotado. E não ter cambista. Mas isso é fácil de falar. Tem variáveis e incertezas sempre presentes. O que mais define o valor de um jogo? O estágio do time. O interesse é baseado em como o time está. E na importância do jogo, se é eliminatório, final... No horário do jogo, o dia, também muda. Um jogo dia de semana de noite tem interesse diferente.

O sócio-torcedor do Flamengo apenas prioriza a preferência de compra, dando horas para que os associados aos planos mais caros compre seus ingressos com antecedência. Não há nenhum tipo de recompensa para quem vai nos jogos menores. O recado é claro aqui. Quem paga o plano mais barato vai ficar sem ingresso nos melhores jogos, porém pode se contentar com os jogos de menor apelo quando quiser matar a saudade do Flamengo. Na prática, jogos contra pequenos do Campeonato Carioca, talvez os primeiros jogos da Copa do Brasil e Sul-Americana (a ver o valor contra o Palestino) e amistosos de pré-temporada pelo Brasil, como a deste ano contra o Vila Nova.

Eu posso pensar em algumas maneiras de impedir que sócios-torcedores vendam seus ingressos. Pessoalmente penso que se você compra um ingresso pode ter a liberdade de revendê-lo eventualmente ou doar para algum amigo. Não vejo isso como cambismo. Mesmo assim posso pensar em diversas tecnologias que diminua a prática da revenda e que possa limitar as doações. Identificar que quem está entrando é mesmo o dono do cartão de é fundamentalmente importante para o programa de milhagem aliás. Evita que aquele ST malandro que vende sua entrada seja identificado como frequentador assíduo da Ilha do Urubu e ganhe ainda mais descontos, que no seu caso seria margem de lucro.

Outra questão é a extinção do plano corporativo. Com todo o respeito que tenho pelas TOs, não vejo como possível essa coexistência, que é até pouquíssimo transparente para o público. E, no fim das contas, a maior parte das entradas terminam nas mãos dos cambistas.

Os dados mostram que o valor está adequado, então?

Fred Luz: A gente está buscando, e estamos sendo bem sucedidos, a ocupação máxima do estádio. Até agora, não tivemos lotação inferior a 80%. E está crescendo. Fizemos um primeiro pacote de jogos. Precificamos com antecedência. Antes do jogo com a Ponte, o time estava com uma campanha não tão adequada. Parecia que o jogo do São Paulo estava ficando caro. Mas a performance melhorou. Foi o primeiro jogo na Ilha de tarde. Apesar de ser o mais caro, foi o que mais lotou.

Vangloriar-se de não ter lotação inferior a 80% é ridículo (incluindo visitantes). Pior, é querer abusar da nossa pouca inteligência. O fanatismo nos deixa realmente mais próximos de atitudes idiotas como continuar comprando ingresso a preços aviltantes, mas espera lá, o Sr. Fred Luz que nos fazer engolir que um estádio de 20 mil lugares destinado à maior torcida do planeta que nunca lotou é um sucesso de público? Com todos os agravantes, amigo. Com toda a questão do trânsito, a dificuldade de se entrar na Ilha do Governador, horários ruins e tudo mais. É um grande fracasso conseguirem não lotar a Ilha do Urubu. A culpa é dos ingressos. Com ingressos mais baratos bastariam os próprios torcedores do bairro para se atingir lotação máxima.

Haverá ingressos populares em algum momento?

Fred Luz: Popular são as gratuidades. Isso no Estado não tem cunho social, não importa a renda. Poderia ser mas não é. Quando o jogo não tem interesse elas não são todas usadas. Quando tem, esgota. Deveria ser o social, é 10% da capacidade do estádio.

Então para o homem das finanças o popular é algo dado para pessoas abaixo de 12 anos e acima de 65 anos? Popular para o clube é cumprir a lei que há anos o presidente a cada pronunciamento ataca como um fator que atrapalha uma precificação mais equânime? Então Fred Luz entende que pessoas com idade acima de 12 anos até seus 65 anos só podem ir a um jogo do Flamengo, o time mais popular do país, se desembolsarem 70 reais -- esqueça a Norte de 45 reais, é pequena e será tomada pelas gratuidades e ingressos corporativos.

Para pagar 70 reais o torcedor precisa ser sócio-torcedor e ganhar o desconto. Se ele não for sócio-torcedor e também não ser estudante, ele paga 140. Na boa, a malandragem de arrumar uma carteirinha falsa de estudante é até compreensível neste cenário. Sendo ST Raça, adicione 40 reais do plano a estes 70 reais do ingresso. Ao ir de carro esse torcedor gastará com gasolina e estacionamento algo em torno de 40 reais em média. Com comida, dentro ou fora do estádio, mais 20 contos no mínimo. Ver 90 minutos de um time que acabou de acumular em sua história um dos maiores vexames recentes, mais um na Libertadores, está saindo a 170 reais. Se repetir a dose no mês a conta vai para 300 reais.

Na ponta do lápis de Fred Luz há 16 mil rubro-negros abastados que podem fazer esta loucura. Ele e sua turma acertadamente diz que há demanda. Se há demanda no mercado mesmo com um preço alto, dane-se o resto, o produto deve se valer da alta, o produto deve valer. Não importa se há milhões de outros que se sentirão jogados de lado.

Fred Luz pode pensar em formas absolutamente factíveis de fazer o controle de populares. Pode-se até criar uma fundação para pesquisar e executar políticas de preços populares e que tenham êxito na fiscalização. Pode ser racional pensar em majorar os preços e ganhar muito na Ilha do Urubu -- outro argumento que também vem caindo por terra, visto que os custos de operação do estádio “próprio” não estão muito abaixo dos preços pagos no Maracanã, algo que repercute muito mal na gestão que por anos bateu no Maracanã S/A como o vilão único do ingresso caro. Que ironia, o fogo era amigo. Parecia ser consenso que o problema do ingresso caro era o achacamento da Odebrecht.

Você atribui o cambista apenas ao sinal de que o preço está baixo?

Fred Luz: Atribuo o cambista apenas ao preço. Ele existe por preço e conveniência. Consegue pegar e vender por um preço maior. O cara que não comprou no site, vai tentar comprar na porta, porque vai ter alguém vendendo.

Novamente Fred Luz assume que os cambistas são seus grandes aliados. Quase os agradece por estarem ali. São os bois de piranha do executivo para precificação do ingresso.

O torcedor do povão, que forma a maior parte da torcida do Flamengo, vai ter que se contentar com a televisão?

Fred Luz: Sempre tem possibilidade do cara comprar o ingresso. Se pegar o torcedor que vai a todo jogo no Maracanã, ele tem que ter uma certa renda. Por mais barato que seja tem que ter para ver alguns jogos. Temos esse dilema. O desafio é conseguir estádios maiores. A CBF estabeleceu que sem o Maracanã não podemos jogar em outros estádios de grande porte. Poderíamos atender nosso torcedor, com preços menores. Em um estádio menor, tem problemas. Mas não adianta ir para uma situação irreal. Acreditamos que acima de tudo o que torcedor quer é o time forte. É ter Diego, Guerrero, Márcio Araújo, Éverton Ribeiro. A gente já teve uma linha mais populista que não levou o Flamengo ao lugar que tinha que ir, de construir times robustos. O jogador por mais que ele ganhe chega sabendo que vai ser mantido no ano seguinte, não com a faca no pescoço. Isso depende do valor do ingresso, da bilheteria. Fui aos clubes agora da Europa e um terço da receita vem do conjunto estádio, televisão, sócio e bilheteria. No Flamengo não chega a 15% ainda. Esse componente tem que ganhar.

Essa aqui é a resposta mais deprimente. Um show de horrores. “Sempre tem a possibilidade do cara comprar o ingresso”. Olha, estou com dedos tremendo de raiva com a absoluta capacidade de ser genérico e desapropriado de consciência sobre a vida real de milhares de flamenguistas. Um cara como eu por exemplo que ganha menos de dois salários mínimos, pensa aí nos descontos também, sempre posso arrumar um jeito de comprar o ingresso ora bolas. Quem mandou ser um perdedor, como a maioria da ops...torcida do Flamengo? Desculpa, não posso deixar o lugar-comum de lado: será nojento demais ver a propaganda institucional do clube alardear que somos a maior torcida do mundo. “Somos 40 milhões de torcedores”, “Somos a maior torcida do mundo” e tantos outros slogans ecoarão mudos de significado.

Posso mudar de cidade, terminar e recomeçar casamentos, até trocar de religião. mas no time de coração nada ou ninguém abala. Mentira. Toda paixão pode esfriar. O torcedor do Flamengo vai continuar dizendo que torce pelo Flamengo. Poderá até ficar feliz com os títulos, mas quando percebe que seu clube de coração olha apenas para aqueles de uma classe econômica mais alta que a sua; quando esse torcedor se sente escanteado, sem condições de comprar uma camisa de 300 reais, de vestir e levar seus filhos e esposa para o estádio, a paixão hiberna, não passa de pai para as próximas gerações.

A alegria de ver o Flamengo forte vai até a próxima esquina. Se é para torcer para algum time pela televisão, por que o garoto vai escolher o Flamengo com tantas opções melhores na Europa?

Para aquele torcedor do Rio o preconceito de classe o acossa diariamente. Para o torcedor de fora, o Flamengo não tem mais a identificação que o fazia admirar mesmo a centenas de quilômetros. É um clube de elite. Não será trocado, mas a paixão não será mais respeitada ao ponto de valer o esforço de transmissão aos filhos e netos. O caminho do Sr. Fred Luz é perigoso.

***

Após a publicação da última tabela de preços para o jogo diante do Grêmio, antes mesmo da entrevista desastrosa de Fred, o Sócios pelo Flamengo (SóFLA), atualmente maior grupo político e principal base da Situação, emitiu nota oficial com duras críticas à política de preços praticada pelo Conselho Diretor do Flamengo.

Para toda ação há uma reação. O Flamengo é gigante e seus conselheiros por mais bem sucedidos que sejam não são preconceituosos e muito menos dissociados do espírito agregador rubro-negro. A visão de Fred Luz e do presidente Eduardo Bandeira de Mello está longe de ser da maioria dos pertencentes à classe A, B e C que torcem pelo Flamengo. Na hora do gol, o abraço sem distinção. O que ocorre hoje, esse despautério conceitual e sem-vergonhice com a nossa história de mais de 120 anos já encontra resistência a se fortalecer a cada dia mais.

Um novo grupo político nasceu das entranhas solidárias do nosso querido Flamengo. Cabe aqui nesse texto a apresentação para o grande público de iniciativa totalmente diferente a engatinhar mas que rapidamente vai percorrer todos os cantos e tramitar sua pauta nos espíritos de todos os sócios e rubro-negros sadios.

Na semana passada o Fla da Gente foi fundado. Um grupo pequeno de sócios e conselheiros descontentes com o distanciamento da luta por democracia no clube, resolve preencher esta lacuna.

O Flamengo da Gente publicou seu manifesto, fincando a base da sua luta na preservação e expansão da matriz popular do clube. E pretende abrir o clube para a torcida. Aliás, o discurso vai para a prática de fato: até quem não é sócio do Flamengo pode se juntar a este grupo e participar de forma indireta da política interna do Flamengo. Basta preencher este cadastro: bit.ly/FlaDaGente.

“Defendemos a abertura política do Flamengo aos interessados em participar da definição dos rumos da camisa mais pesada do esporte brasileiro. Hoje, como no passado, a vida política do Flamengo está longe de representar a massa de apaixonados pelo clube”.

Além da bandeira da democratização, que passa pela implementação de uma categoria de associados populares como a que recentemente foi aprovada pelos conselheiros do Internacional de Porto Alegre, o Flamengo da Gente também defende e lutará pela soberania esportiva e institucional do clube, que passa necessariamente pela obsessão de conquistas internacionais e construção de um estádio próprio. Outra bandeira fortemente fincada é a de um alinhamento às causas dos direitos humanos e responsabilidade social.

Em toda a ação há uma reação. O maior clube do mundo nunca será dominado por muito tempo pelos preceitos que não lhe constituem. Coisas estranhas não se criam pelos lados da Gávea. E todo rumo errático pode se aprumar, afinal isso aqui é Flamengo.

 
Diogo Almeida é um boleiro que aprendeu a falar difícil. Escreve no Cultura RN quando consegue colocar as ideias no lugar. Siga-o no Twitter: @DidaZico.
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