A Alma Rubro-Negra: sofrer de longe e compartilhar de perto
Pênalti. Rodinei para a bola. Estamos nas cobranças alternadas. Respiro fundo. Temo a cagalhopança do 22. São 4:51 da manhã, horário local. Mas me censuro antecipadamente e projeto em frações de segundos como eu reagiria se o penal fosse convertido.
Seria o tetra da Copa do Brasil. Rodilindo vai para a bola, e é GOL! Flamengo é campeão. Sem poder ir à janela extravasar em função do adiantar da hora, tiro a camisa e a giro tresloucadamente, em meu silêncio sepulcral incondizente com o drama que levou o time de Dorival ao dramático triunfo contra o Corinthians em nosso quarto titulo.
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A solitária e taciturna reação de títulos vividos na madrugada compõe um minoritário (mas constante) elemento de frustração na comemoração de torcedores rubro-negros que vivem no exterior, em especial para aqueles residentes em ingratos fusos horários em relação às pelejas do Mais Querido.
Vivo na Europa desde 2014. Épocas de vacas magérrimas para o CRF. Mas vieram várias decisões em mata-matas e finais, como as Copas do Brasil de 2017 e a Copa Sul-Americana do mesmo ano. Sofrimentos de vices e eliminações sem ninguém para compartilhar. Não consegui companhia para xingar Matheus Savio contra o San Lorenzo e Everton contra o Independiente. Eu vivia no centro de Roma, e sequer havia um Imperador para torcer naquela época. Terribile.
A mudança para Bruxelas me possibilitou um sonho: criar um Consulado do Flamengo, reconhecido pelo clube. Fazê-lo na capital da Europa tinha um sabor ainda mais especial. Este movimento me fez não apenas preencher as aspirações de arregimentar rubro-negros de todo o Brasil – o que faz sintetizar o caráter nacional de nossa torcida em um local central na Europa – mas também criar um ambiente em que pudéssemos extravasar coletivamente e trocar ideias, também em grupos virtuais, sobre a nossa coletiva paixão mesmo estando em outra realidade, localmente.
Dito e feito. Vieram as campanhas irretocáveis de 2019, com a apoteótica final da Libertadores contra o River Plate e o Brasileiro celebrado no trio elétrico, mas conquistado jogo a jogo, em duelos épicos. A FlaBruxelas nascia pé-quente. Todos comemorados com gritos, urros e abraços, transformando os bares da capital da Europa em um Maracanã ensandecido.
A experiência de Rubro-Negro expatriado me fez estar atento ao que nós, que moramos fora do Brasil, mais desejamos nesta condição. São coisas acessíveis e banalizadas pelos flamenguistas que estão mais perto conseguem mais facilmente desfrutar: são transmissões pela TV ou por um streaming oficial e menos sujeitos a delays ou interrupções; é o acesso a produtos oficiais; é a oportunidade de assistir jogos in loco…
Felizmente, o avanço de uma tecnologia recente tornou possível nos aproximar cada vez mais dos rubro-negros que estão no Brasil.
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E é por isso que estar aqui, em Guayaquil, de onde escrevo este texto, me emociona. Tudo funciona como um complemento a este estado, ou o elo que falta para estar completo. Estamos, aqui, tendo a oportunidade de testemunhar o que pode ser ápice de uma geração vitoriosa: a conquista de duas Libertadores em três finais nos últimos quatro anos.
O clube logrou conquistar lastros que o permitirá gozar de uma predominância nacional e continental nos próximos anos, mas nem sempre os resultados acompanham esta tendência; este é o esporte bretão, certo? Pode ser um técnico que não dá liga com um elenco, ou pode ser um erro fortuito que entrega um gol ao adversário. Mas o fato é que chegamos até aqui e onde chegamos aponta para muito mais louros do que fracassos.
E até onde podemos ir? Quais são as nossas fronteiras? Pelo o que se viu no Peru, no Uruguai e se vê agora, no Equador, o potencial de pintarmos o continente com as cores rubro-negras (as certas), é gigantesco. Somos o maior país da região, temos presença já quase cativa nas finais da Libertadores e, a despeito de não hablarmos o idioma (alô marketing!), temos em nós, Brasil, o ponto de equilíbrio geopolítico e cultural na América Latina.
Assim, no Equador, imaginei que os mais de 15 mil rubro-negros que estarão aqui neste fim de semana pudessem trazer um segundo Manto na mala e ofertar a um equatoriano gente boa que encontrar pelo caminho… São gestos lúdicos como este, somados ao compartilhar das nossas histórias e dos nossos ídolos, que aproximam o clube de uma nova torcida. Que seas valente y conquiste tu gente, Mengo!