23 problemas da concessão do Maracanã que afastam o Flamengo do estádio
Recentemente tenho lido e ouvido bastante sobre os problemas do Maracanã e de seu edital de licitação. Por isso, sem a menor pretensão de exaurir o tema, segue aqui uma listinha (listona, ok) compilando a opinião de gente com know-how no assunto.
Leia também: Flamengo no Maracanã: novo edital de concessão faz exigências absurdas para políticos
1- Outorga mínima de R$ 5 mi/ano
Serão desclassificadas, na forma do edital, qualquer proposta inferior a R$ 5.032,175,00. Isto é, aproximadamente 420 mil por mês de “aluguel” para administrar o complexo.
2- Aproximadamente R$ 3 mi/mês de manutenção
Essa é uma estimativa baseada em informação extraída da contestação do consórcio nos autos da ação que o Vasco ajuizou a fim de alugar o estádio. Lá consta que “o custo médio mensal de manutenção é de R$ 2.861.234,22”.
3- Operação de jogos cara
Com casa cheia, não sai por menos de R$ 1 mi. Até agora, a operação dos jogos na Série A 2022 ficaram entre R$ 1.007.568,14 (vs América) e R$ 1.290.366,25 (vs Palmeiras).
4- Mordomias para o governo na casa de 3,6 mi/ano
Esse valor foi estimado pelo jornalista Rodrigo Mattos, mas os números devem aumentar. O novo edital traz ainda mais vantagens ao Estado do que a permissão atual. O futuro gestor do complexo deverá preservar o direito de uso exclusivo e sem ônus das Tribunas de Honra, além de disponibilizar 07 camarotes no setor Oeste (incluindo buffet), 40 vagas de estacionamento, bem como 200 ingressos no setor Oeste Inferior em todos os jogos realizados no Maracanã e 60 para o Maracanãzinho.
Fonte: Rodrigo Mattos, Uol
5- Baixa inclinação da arquibancada
A inclinação é baixíssima. Essa arquitetura plana causa muito pouco stress visual, conceito trazido pelo Fabrício Chicca em sua análise do Maracanã. Para entender melhor, recomendo assistir esse vídeo.
6- Distância da arquibancada para o campo
Nos setores Norte e Sul, os torcedores mais próximos do campo ficam a 28 metros do gol. No anel superior a distância é de 100 (!!!) metros. Nesse sentido, uma obra para aproximar a arquibancada é inviável.
Fonte: Globo Esporte
7- Acústica
O estádio padrão Fifa foi feito para jogos em um mundo cor de rosa e não para causar pressão no adversário. Assim, o desenho arquitetônico faz com que o som “bata” no teto e se disperse.
8- Necessidade de troca da lona orçada em centenas de milhões de reais
A cobertura do Maracanã é feita de PTF, uma espécie de lona tensionada em três camadas, material sujeito a furos e danos quando submetida a altas temperaturas e fogos. Ainda em 2017, um laudo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo apontou que a cobertura do estádio tinha danos em 119 de seus 120 painéis e afirmou que estaria comprometida em no máximo 10 anos. A concessão do estádio terá um prazo de 20 anos e, conforme o edital, compete ao concessionário “manter e conservar todos os bens, equipamentos e instalações do bem público concedido em perfeitas condições de funcionamento, promover as substituições demandadas em função do desgaste ou superação tecnológica, ou ainda promover os reparos ou modernizações necessárias à boa execução (…)”.
Fonte: Uol
9- Ausência de setor visitante
O New Maracanã, construído para meia dúzia de jogos de Copa do Mundo não têm setorização, o que acaba inutilizando milhares de assentos no setor Sul para separar os visitantes. Dessa forma, a capacidade de 78 mil presentes ficou só no papel. Observem que contra o Palmeiras, com torcida única e carga de ingressos esgotada, não bateu 70 mil presentes. É realmente um estádio cheio de problemas estruturais. Não há ligação interna para bares, por exemplo. O abastecimento é feito de fora para dentro.
10- 5 mil cadeiras cativas
Ok, exagerei. São apenas 4.968 cadeiras cativas perpétuas. Mesmo que o clube faça (e já deveria ter feito) um sistema de check-in, é uma receita prejudicada.
11- 3,5% do saldo de cada jogo vai pra UEB, FUGAP e ACERJ
União dos Escoteiros do Brasil, Fundação Garantia do Atleta Profissional e Associação de Cronistas Esportivos do Rio de Janeiro, somadas, ficam com 3,5% do resultado financeiro de cada partida. Isso é fruto de legislação extremamente antiga e que cita nominalmente apenas o Maracanã. Jogos em São Januário, Engenhão, Volta Redonda, ou seja, qualquer outro estádio do Rio não têm essa mordida.
12- Sociedade com o estado por 2 décadas e uso político do equipamento
Imaginem que coisa boa será virar sócio do Governo do Estado do Rio de Janeiro, ente federativo muito famoso por ter governadores presos. E no meio do negócio Maracanã também entram deputados, vereadores e qualquer um que quiser fazer uso político de um bem que continuará sendo pú-bli-co. Não se enganem. Não seria surpreendente se algum grupelho da Alerj buscasse instaurar uma CPI assim que o contrato fosse assinado.
13- Demonização da concessão, sempre apontada como benesse ou privilégio ao clube
Alguma dúvida de que, além de chamar de sem-teto, vão tratar o clube como se ele estivesse recebendo um favor pela concessão? O Flamengo salvaria o Maracanã de virar uma cracolândia (provavelmente já teria acontecido se não fosse sua intervenção em 2017) e ainda ficará com a pecha de apadrinhado.
Fonte: Revista Época
14- Impossibilidade de caracterizar o equipamento por longos períodos com cores e símbolos do clube
Serão proibidas modificações nas cores das cadeiras e o concessionário terá que permitir que locatários coloquem seus escudos no gramado e mudem a iluminação para suas cores. Diz ainda o edital que a concessionária deve “preservar as cores do projeto original do Estádio que remetem e representam as cores do Brasil e do estado do Rio de Janeiro”, ou seja, segue o mosaicão da Ucrânia.
15- Dificuldade para ativar patrocínios
Tudo precisa passar por um processo de autorização, que pode ser dada ou não. De qualquer forma há pouca flexibilidade e as ações podem ficar limitadas por trâmites burocráticos.
16- Presença de estátuas e outras homenagens a jogadores sem relação com o clube
Aqui não falo nem da estátua de Bellini, do busto de Garrincha ou qualquer outra escultura consolidada, mas, recentemente, nomes como Ronaldo Nazário, Nenê e Túlio colocaram seus pés na Calçada da Fama do estádio.
17- Interferência do Poder Concedente
O termo de referência é um caso à parte. Ele prevê a criação de um Comitê Deliberativo de Gestão Estratégica (composto por 1 representante do concessionário e 2 (!!!) do Poder Concedente) que, entre outras coisas, é responsável pelo estudo de previsão e montagem de calendário anual de atividades do complexo. O Estado também pode, durante todo período da concessão vetar os nomes indicados pelo concessionário para os cargos executivos da SPE (Sociedade de Propósito Específico). É difícil encontrar algum ponto que não contenha uma brecha para ingerência estatal.
18- Obrigação de 70 jogos por ano
Não há nem o que falar. Nem um gramado híbrido aguenta. E o Flamengo, que, pelo potencial financeiro, tende a ser sempre o time mais técnico em campo acaba sofrendo com um piso que nivela o jogo por baixo.
19- Obrigação de alugar a terceiros por valor irrisório
O edital proíbe a concessionária de “impor tratamento comercial injustificadamente distinto ou discriminatório, que represente ônus excessivo e ou a prática de atos que resultem em vedação de acesso à utilização do Complexo às agremiações, clubes, associação ou Confederação”. Já o termo de referência dispõe que “o futuro concessionário deverá estabelecer (…) um preço certo e determinado para o aluguel do campo e custos operacionais (…), valor esse que deverá ser cobrado de forma isonômica de qualquer um dos clubes de futebol do Estado do Rio de Janeiro com data oficial nas principais competições de futebol”.
20- Obrigação de ceder Maracanã/Maracanãzinho ao Estado
É obrigatória a disponibilização sem ônus dos equipamentos ao Poder Concedente por até 6 dias por ano.
22- Impossibilidade de fazer receita com naming rights
O nome do estádio é tombado. Não é nem que ninguém vai perder dinheiro colocando a marca de sua empresa em um estádio com nome consolidado. Não pode mesmo.
23- Impossibilidade de demolições para construção de áreas que gerariam receita de match day.
No contrato assinado em 2013 entre Estado e Maracanã S/A era previsto que a concessionária iria demolir o Célio de Barros e construir naquela área um estacionamento. No atual edital não é prevista a possibilidade de fazer nada no canteiro de obras que foi deixado. Também não há menção ao parque aquático Júlio Delamare. Não haveria, portanto, espaço para negócios geradores de receita, especialmente (mas não exclusivamente) em dias de jogos, como um estacionamento, restaurante e lojas.
Fonte: Uol
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Enfim, é isso: O Maraca não é nosso. O estádio é cheio de problemas estruturais e o edital é uma verdadeira cilada.